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sábado, 22 de agosto de 2009

PARTE DOS TERRENOS DOADOS PARA PMs e BMs CONSTRUÍREM CASAS ESTÃO COM PROBLEMAS

"A doação de lotes em becos para policiais militares e bombeiros virou motivo de discórdia entre a comunidade do Gama. A distribuição desses terrenos é um dos eixos da política habitacional do governo, mas alguns beneficiados pela entrega dos imóveis acabam proibidos de ocupar efetivamente a área. Isso porque muitos vizinhos dos becos estão recorrendo à Justiça contra a doação. Eles alegam que não foram consultados antes da desafetação da área e reivindicam a manutenção dos terrenos como espaços livres. O GDF já entregou 586 imóveis a PMs e bombeiros no Gama. Mas desses, 71 (12%) estão proibidos de edificar os terrenos.

O professor Oteno Lenradt, 58 anos, e a mulher, Elis Regina Pereira, 42, moram em um sobrado com uma extensa varanda lateral. O projeto foi aprovado pela Administração Regional do Gama em 1989. Vinte anos depois, o beco vizinho à residência da família foi transformado em lote residencial e entregue a um policial militar. Na mesma semana, Oteno entrou com uma ação na Justiça questionando a doação. Ele obteve uma liminar favorável, mas não sabe até quando conseguirá manter a área vazia. “Qualquer edificação vai tirar completamente a ventilação e a iluminação da minha casa. Uma casa aqui bloquearia toda a minha varanda”, reclama. “Os becos foram criados para serem áreas verdes, para infiltração da água da chuva. Ninguém foi ouvido antes da doação desses lotes”, acrescenta o professor.

A comerciante Márcia (nome fictício) entrou em conflito com o policial que ganhou o terreno no beco ao lado de sua residência. A moradora do Gama tem medo de ser identificada porque recebeu ameaças. Ela conseguiu uma liminar que impede a edificação do imóvel vizinho e, depois disso, o policial começou a intimidá-la. “Ele fica passando de carro em frente à minha casa, mostra a arma, diz que eu e a minha família vamos pagar por isso. Decidi vender tudo e sair daqui. Já desisti até dessa ação na Justiça”, conta Márcia.

O presidente da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal, José Luiz Naves, defende a política de doação dos lotes em becos e diz que o GDF vai continuar a entregar esses imóveis a policiais e bombeiros. “É muito mais barato para o governo produzir moradia em áreas já consolidadas, com infraestrutura completa. Os terrenos em becos ficam em conjuntos que têm água, luz, esgoto, rede de águas pluviais, são imóveis de grande valor agregado. Essas áreas ficavam abandonadas, escuras, eram abrigo para bandidos”, comenta o presidente da Codhab.

Conciliação
José Luiz Naves, entretanto, reconhece que a entrega desses imóveis tem gerado polêmica. “Temos enfrentado essas divergências, mas buscamos agir de forma conciliadora, chamando as duas partes para discutir e tentar chegar a um consenso. Nos casos em que o atrito for muito grande ou se o beneficiado não conseguir construir por decisão judicial, vamos estudar a possibilidade de trocar pela doação em outra área”, afirma o presidente da Codhab.

O presidente da Associação dos Policiais e Bombeiros do DF, o distrital cabo Patrício (PT), acredita que os questionamentos e ações judiciais são casos isolados. Ele defende a doação dos becos e diz que a medida reduziu a criminalidade no Gama. “Quem está reclamando é porque usava área pública irregularmente e não quer abrir mão disso. Tem gente que colocou grades, fez puxadinho ou jardins particulares e agora acha ruim porque vai ter que desocupar a área”, critica cabo Patrício.

Entenda o caso - Lei aprovada em 1997

A ocupação de becos por policiais militares e bombeiros começou em 1997, com a aprovação da Lei Complementar nº 29, proposta pelo então distrital João de Deus. Pelo projeto, as áreas de circulação de pessoas deveriam ser usadas para fins habitacionais. Os argumentos principais eram a redução do déficit habitacional e o aumento da segurança nas cidades.

O Ministério Público do Distrito Federal conseguiu derrubar na Justiça essa legislação. O MPDF entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade argumentando que a lei tinha vício de origem, ou seja, apenas o governador poderia propor uma legislação tratando sobre desafetação e doação de áreas públicas.

No ano passado, o GDF mandou para a Câmara Legislativa um projeto que foi aprovado e se transformou na Lei Complementar nº 728. O texto previa a desafetação das áreas em becos que se transformariam em imóveis regulares e seriam doados a policiais e bombeiros. Novamente, o Ministério Público do DF questionou a medida.

O assessor de Controle de Constitucionalidade do MPDF, promotor Roberto Carlos Silva, diz que a desafetação foi autorizada por uma emenda parlamentar e, por isso, tem vício de origem. “ Não pode haver entrega de bens públicos sem que haja licitação. Além disso, a política habitacional autoriza a doação apenas a pessoas de baixa renda, que não é o caso de bombeiros e policiais militares”, explica o promotor."

(Fonte: Helena Mader, Correio Braziliense)

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