A Folha de São Paulo teve acesso a caixa preta das notas fiscais por decisão judicial e apurou que José Airton alugou carros de uma empresa inexistente em Pacajus - CE. Já Eugênio Rabelo é acusado de ter alugado veículos de uma empresa que não existe e que segundo a nota apresentada por ele à Câmara Federal funcionaria no município do Eusébio - CE. Airton Cirilo e Eugênio Rabelo negam ter cometido qualquer irregularidade na prestação de contas de sua VDP. Alegam que o serviço foi prestado e rejeitam ter cometido alguma fraude. Leia mais sobre esse assunto em matéria do jornal Folha de São Paulo."
EMPRESAS "FUNCIONAM" EM ENDEREÇOS FICTÍCIOS
"Rio Acima (MG), cidade com pouco mais de 8.000 habitantes a 41 km de Belo Horizonte, não tem aeroporto nem pista de pouso. Mas é lá que, no papel, fica a Global Express Serviços em Aviação Ltda, empresa de taxi aéreo que mais recebeu pagamentos da Câmara dos Deputados nos quatro últimos meses de 2008: R$ 96,2 mil.
No endereço registrado na Receita e na Junta Comercial moram o metalúrgico aposentado João Bosco das Neves, 54, sua mulher, filha e um cachorro que não para de latir ao menor sinal de estranhos. A casa é a mais mal conservada da vizinhança, com rebocos se descolando e tijolos à mostra.Na nota que os deputados deram à Câmara, o endereço é descrito como Rua do Rosário, 131, "sala 02", sugerindo um imóvel comercial. O telefone é de uma empresa homônima, que faz manutenção de aparelhos eletrônicos em Belo Horizonte. Lá, um funcionário disse que a "Global Aviação fica em outro lugar, em Rio Acima".
Na cidade do interior mineiro, João Bosco afirma que a empresa nunca funcionou ali. Sua mulher afirma que "presta serviços" para a Global. Diz ganhar R$ 20 por mês para receber as correspondências e "mandar e-mails": "O que eu sei é que eles fazem palestras para o pessoal da aviação. Não sabia que tinha negócio de deputado no meio".A empresa não tem autorização da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para explorar o transporte de passageiros. O dono da Global, Leonardo de Vasconcelos Vieira, 34, nega que a empresa seja fantasma. Segundo ele, o endereço em Rio Acima foi indicado pela prefeitura local para fugir dos valores de ISS cobrados em Belo Horizonte, onde, segundo ele, a empresa efetivamente funciona.
Segundo Leonardo, a Global não tem aviões e não faz táxi aéreo: "Nós fazemos subfrete, é como um mercado paralelo para fugir de custos mais altos". Na prática, diz ele, a empresa é uma intermediária entre eventuais clientes, como deputados, e empresários que possuem aviões disponíveis. Sem site ou qualquer outro tipo de divulgação, diz funcionar na base da "indicação" e da "confiança".Firmas que emitiram notas fiscais para os deputados cearenses José Airton Cirilo (PT) e Eugênio Rabelo (PP) também informaram em seus cadastros fiscais endereços inexistentes.
A Locautos Campo Verde, que emitiu notas para Rabelo, deveria estar localizada na Estrada do Largão, s/n, em Eusébio (a 27 km de Fortaleza). No local, rebatizado de rua Benedito Ferreira, os moradores nunca ouviram falar dela: "Locadora de carros nunca teve aqui", disse o comerciante João Ribeiro, 54, que mora ali há 17 anos. Na rua, sem asfalto, só há casas e terrenos baldios.Na prefeitura, o cadastro da Locautos informa que a empresa foi registrada em 20 de fevereiro de 2002. A agência dos Correios de Eusébio informou que as correspondências endereçadas a ela são devolvidas.
Em Pacajus (a 57 km de Fortaleza), a situação é parecida. A AP Transportes Ltda, que forneceu notas fiscais ao deputado Cirilo, declarou ter sede na rua Otaviano Terto da Costa, mas essa via não existe. O nome correto seria Otávio Terto da Costa. Nesta rua, no número indicado como sede da empresa, há um sobrado que abriga uma firma de venda de cosméticos.O dono disse que nos primeiros meses recebeu dos Correios diversos documentos de veículos que não lhe pertenciam, e entregou tudo à Polícia Civil.
O proprietário da AP, que se identificou apenas como Egberto, disse que a empresa não foi achada porque mudou de endereço há "mais de um mês" e que está providenciando a alteração na Receita. O dono da firma de cosméticos, porém, garante estar lá "há cerca de dois anos".""ARQUIVO SIGILOSO DA CÂMARA REVELA NOTAS DE "FANTASMAS"
"Documentos mantidos até agora sob sigilo pela Câmara mostram que empresas de fachada ou com endereços fantasmas são beneficiárias do dinheiro que a Casa destina para a atividade parlamentar.
A Folha obteve por via judicial as informações de cerca de 70 mil notas fiscais que foram objeto de reembolso aos deputados federais nos últimos quatro meses de 2008. É uma pequena amostra da caixa-preta que o Congresso mantém desde 2001, quando foi criada a verba indenizatória, adicional mensal de R$ 15 mil para despesas de trabalho (o salário de um deputado é R$ 16,5 mil).Nas duas últimas semanas, a Folha analisou cerca de 2.000 páginas entregues pela Câmara ao Supremo Tribunal Federal a partir de mandado de segurança e percorreu endereços em cinco Estados e no Distrito Federal para checar os dados.
Deparou-se com uma série de endereços fictícios e com empresas que são totalmente desconhecidas do mercado. Os deputados que usaram notas dessas empresas alegam que os serviços foram prestados e dizem que não podem responder por eventuais problemas delas.Um deles, Marcio Junqueira (DEM-RR), recebeu pelo aluguel de carros reembolsos mensais de cerca de R$ 15 mil da PVC Multimarcas. A empresa é do advogado do parlamentar, Victor Korst, e tem como endereço o escritório deste.
Criada há pouco mais de um ano, a PVC emitiu ao deputado notas fiscais de numerações inferiores a dez, o que indica que Junqueira é possivelmente seu único cliente. "Se você for dar nota de tudo o que faz e pagar todos os impostos, você morre de fome", justificou-se Korst.Após abril deste ano, quando a Câmara passou a divulgar na internet os dados da verba, Junqueira deixou de pedir reembolso pelo serviço: "Acho que ele não teve ainda a felicidade de fazer com outros os contratos que fez comigo".
Endereços falsosSão muitos os casos de empresas que não existem nos endereços informados à Receita, situação que pode configurar crimes como falsidade ideológica e contra a ordem tributária (dois a cinco anos de prisão).
Os deputados baianos Severiano Alves (PMDB) e Uldurico Pinto (PHS) entregaram uma série de notas da Valente & Bueno Assessoria Empresarial, que informou à Receita funcionar num apartamento na Asa Sul de Brasília. O dono do imóvel nunca ouviu falar da firma.No período analisado, a Valente & Bueno teria recebido R$ 56 mil dos dois deputados, mas, segundo eles, os pagamentos remontam a 2006, o que elevaria o valor a pelo menos R$ 350 mil se o padrão de pagamentos for constante. Severiano e Uldurico disseram que os serviços foram prestados, mas não souberam detalhá-los.
Severiano falou que a assessoria era "consultoria de mídia, principalmente" e que interrompeu os trabalhos em abril porque a Câmara teria proibido a contratação de consultorias, o que não é verdade. Uldurico disse não se lembrar exatamente o que solicitou -foram "trabalhos jurídicos, específicos".Líder em volume de recursos no quesito "consultoria", com R$ 115 mil, a SC Comunicações e Eventos, que emitiu notas para dez deputados e ex-deputados, também não é conhecida em seu endereço oficial, uma casa simples em Luziânia (GO).
"Nunca funcionou nenhuma empresa ali, isso eu posso garantir", afirmou o caminhoneiro Giovani Braz de Queiroz, dono do imóvel há 12 anos.Proprietário da SC, o jornalista Umberto de Campos Goularte, assessor do senador João Durval (PDT-BA), diz que o endereço inexistente se deve a um erro de seu contador e que ele prestou serviços de assessoria de imprensa, atividade para a qual os deputados já têm verbas específicas -R$ 60 mil ao mês.
Goularte disse ainda que a SC fica em Luziânia porque é lá que vive o seu contador e que a empresa cumpre "todas as suas obrigações". Segundo a prefeitura da cidade, porém, a empresa não recolhe ISS (Imposto Sobre Serviços) desde 2007.Dois dos deputados que entregaram notas da SC contaram versão distinta, afirmando que a assessoria ou era jurídica ou produzia pareceres políticos.
Outra empresa, a Seven Promoções, emitiu em três meses notas de numeração 1, 2 e 3 a Zezéu Ribeiro (PT-BA), indício de que "trabalhava" exclusivamente para o deputado. Apesar de ter sido aberta em 1999, a firma só emitiu as primeiras notas em 2008. No endereço citado, em Brasília, funciona uma corretora de planos de saúde.Já o aluguel de carros segue uma lógica peculiar: as empresas ou apresentam endereços fantasmas ou dizem funcionar em locais sem qualquer identificação, que abrigam outras empresas, atuando quase que só para atender deputados.
A Meridiano Locação de Equipamentos dá como endereço o de uma firma de saneamento. A Information Systems Tecnologia se apresenta na fachada como comércio de cartões telefônicos, embora conste como locadora de carros. Sem se identificar, a Folha tentou alugar carros nas duas, e ouviu que o serviço não era prestado. Após a reportagem questionar os deputados, a Meridiano e a Information disseram que seus funcionários se equivocaram."(Fonte: Ceará Agora e Folha de S. Paulo)
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