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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A RELIGIÃO DO MERCADO

Quase todos os líderes políticos, quer sejam da esquerda tradicional ou de direita, quer sejam do Sul ou do Norte, dedicam um verdadeiro culto ao mercado, e aos mercados financeiros em especial. Seria necessário dizer que fabricam uma religião do mercado. Em cada dia, é dita uma missa para honrar o Deus-Mercado para cada lar munido de um televisor ou de uma ligação à Internet, no momento em que se dá conta da evolução das cotações na Bolsa e das esperas dos mercados financeiros. O Deus-Mercado envia sinais através do jornalista de economia ou do cronista financeiro.

Não é não somente verdade para todos os países mais industrializados, mas também para a maior parte do planeta. Quer se esteja em Xanghai ou em Dakar, no Rio de Janeiro ou em Tombuctoou, receber-se-ão "os sinais enviados pelos mercados". Por toda a parte, os governantes procederam às privatizações e criaram a ilusão de que a população podia participar diretamente nos rituais do mercado (comprando ações) e receber um benefício de retorno na medida em que se interpretassem bem os sinais enviados pelo Deus-Mercado. Realmente, uma pequena parte das camadas mais baixas conseguiu adquirir ações, mas não tem peso algum sobre as tendências do mercado.

Durante séculos, talvez se leia nos livros de História que, a partir de 1980, um culto fetichista fez furor. A subida em flecha do culto em questão será relacionada com dois nomes de chefes de estado: Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Notar-se-á que este culto beneficiou, desde o início, duma ajuda dos poderes públicos (que se inclinaram voluntariamente perante este Deus que o privava de uma grande parte do seu poder de antanho) e das potências financeiras privadas. Com efeito, para que este culto encontrasse um certo eco nas populações, foi necessário que os grandes meios de comunicação social lhe rendessem homenagem diária.

Os Deuses desta religião são os Mercados financeiros. São-lhes dedicados Templos que têm por nome Bolsas. Só os grandes padres e os seus acólitos são os seus convidados. O povo crente é convidado a comunicar com os Deuses-Mercados através do pequeno ecrã da TV, do computador, do jornal diário, da rádio ou da janelinha do banco.

Até aos cantos mais recuados do planeta, milhões ser humanos, às quais se nega o direito de satisfazer as necessidades elementares, são convidados a celebrar os Deuses-Mercados. A Norte, nos jornais lidos geralmente por assalariados, donas de casa e desempregados, uma rubrica do tipo "onde colocar o vosso dinheiro?" sai diariamente enquanto a esmagadora maioria de leitores e leitoras não tem meios - nem, às vezes, vontade - de deter a mínima acção na Bolsa. Jornalistas são pagos para ajudar os crentes a compreender os sinais enviados pelos Deuses.

Para amplificar, no espírito dos crentes, a potência dos Deuses-Mercados, comentadores anunciam periodicamente que estes enviaram sinais aos governos para indicar a sua satisfação ou o seu descontentamento. O governo e o Parlamento gregos compreenderam finalmente a mensagem enviada e adoptaram um plano de austeridade de choque que faz pagar as camadas mais baixas. Mas os Deuses estão descontentes com o comportamento da Espanha, Portugal, Irlanda e Itália. Os seus governos deverão também fazer uma oferenda com fortes medidas anti-sociais.

Os lugares onde os Deuses são susceptíveis de manifestar os seus humores com maior peso são Wall Street (Nova Iorque), City (Londres), as Bolsas de Paris, Frankfurt ouTóquio. Para medir o seu contentamento, inventaram-se instrumentos que têm o nome de Dow Jones (Nova Iorque), Nikkei (Tóquio), CAC40 (França), Footsie (Londres), ou Dax (Frankfurt). Para se assegurarem da benevolência dos Deuses, os governos sacrificam os sistemas de segurança social perante o altar da Bolsa. Eles privatizam, também.

Porque foram dados poderes religiosos aos operadores? Eles não são, nem desconhecidos, nem puros espíritos. Têm um nome, um endereço: são os principais líderes de duzentas grandes transnacionais que dominam a economia mundial com a ajuda do G7, a complacência do G20 e das instituições como o FMI, rendimento garantido graças à crise sobre a cena após um período de purgatório. Há também o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (esta está bastante mal, mas talvez venha a ser de novo eleita pelos Deuses).

Os governos não são excepção: abandonaram os meios de controlo que detinham sobre estes mercados financeiros. Os investidores institucionais («zinzins»: grandes bancos, fundos de pensões, seguros...) que os dominam receberam dos governos milhares de mil milhões de dólares sob a forma de dons ou empréstimos que servem para os entregar em sela, após a derrota de 2007-2008. O Banco Central Europeu, a Reserva federal dos Estados Unidos, o Banco da Inglaterra emprestam-lhes, em cada dia, a uma taxa inferior à inflação, cestos de capitais que os "zinzins" se apressam a utilizar de maneira especulativa contra o euro, contra as tesourarias dos Estados, sobre o mercado das matérias primas...

Hoje, o dinheiro pode circular de um país para o outro sem a menor cobrança de imposto. Três mil mil milhões de dólares circulam, em cada dia, pelas fronteiras do mundo. Menos de 2% desta soma servem directamente o comércio mundial ou os investimentos produtivos. Mais de 98% servem as operações especulativas principalmente sobre as moedas, sobre os títulos da dívida, sobre as matérias primas.

É necessário pôr termo a esta banalização de uma lógica de morte. É necessário criar uma nova disciplina financeira, expropriar o sector financeiro e pô-lo sob o controlo social, taxá-lo fortemente os "zinzins" que provocaram e se aproveitaram da crise, auditoriar e anular as dívidas públicas, levar a efeito uma reforma fiscal redistributiva, reduzir radicalmente o tempo de trabalho a fim de contratar massivamente garantindo ao mesmo tempo o montante dos salários... Perante esta religião do Mercado, começar a levar a efeito um programa fundamentalmente laico. Anticapitalista, em suma...

(Fonte: Eric Toussaint - Comitê para Anulação da Dívida do Terceiro Mundo. Tradução de Antônio José André. Via e-mail da Fundação Lauro Campos)

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