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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

SERVIDORES PEDEM LICENÇA DOS CARGOS PARA TRABALHAR NA INICIATIVA PRIVADA

"No embalo de uma legislação vaga, empregados de elite do Executivo federal trocam de lado, licenciando-se para correr atrás de benefícios que nem de longe o funcionalismo oferece. A busca por prestígio, experiência profissional e, principalmente, dinheiro dita os passos de alguns dos melhores quadros do setor público. O afastamento voluntário levanta discussões de fundo ético e prova que passar em um concurso disputado, ter direito a um salário acima da média e receber do Estado todas as condições para desempenhar bem seu papel enchem os olhos da maioria, mas não seduzem todos os servidores públicos.

A lei prevê que o ocupante de cargo efetivo — que não esteja em estágio probatório — pode se afastar durante três anos consecutivos, sem remuneração, prorrogáveis apenas uma única vez por outros três anos, no máximo. Mas, não raro, brechas burocráticas permitem que alguns passem até mais tempo longe das repartições. A despeito da norma, a administração coleciona casos de pessoas que se ausentam por sete, oito e até nove anos. “Já foi pior, mas ainda tropeçamos em muitos abusos. O servidor sai, fica muitos anos distante, e depois volta para garantir a aposentadoria”, diz um técnico do governo que cuida de processos daqueles que querem estender a licença para continuar no setor privado.

Ampliar o voo solo depende, fundamentalmente, de uma decisão que vem de cima. Os pedidos de prorrogação do período de afastamento são analisados por ministros e presidentes dos órgãos nos quais o servidor está lotado. Os critérios que baseiam a concessão de mais prazo ou a ordem de retorno ao trabalho nem sempre são claros. Influências políticas, recomendações superiores e o histórico acumulado dentro e fora do órgão de origem podem pesar contra e a favor de quem reivindica a sobrevida.

Opção pelo silêncio

Valdery Albuquerque, ex-presidente da Caixa Econômica Federal e funcionário de carreira do Tesouro Nacional, pode se considerar um privilegiado. Há pelo menos oito anos ele se licenciou, abrindo mão de uma remuneração que pode chegar a R$ 17,3 mil para tentar a sorte no mercado financeiro. Atualmente, está na área de ativos imobiliários do Banco Fator e acaba de receber sinal verde para ficar mais um ano afastado. “O Tesouro é uma instituição onde o servidor tem a oportunidade de conhecer muita coisa. É uma casa que ajuda muito na formação, que ensina bastante. Voltar é uma possibilidade”, disse ao Correio sem dar detalhes de quando pretende voltar.

Na justificativa apresentada ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, Albuquerque informou que vai utilizar o tempo para estudar. “Vou fazer um MBA em São Paulo. Estou olhando onde, pesquisando a melhor alternativa, mas será na área de ativos imobiliários”, reforçou de forma não muito precisa. Afirmando estar com “saudades” do antigo emprego, o executivo descarta qualquer conflito de interesses. Segundo ele, ao contrário do que possa parecer, a temporada no setor privado ainda poderá render bons frutos ao país. “Em geral, não temos nenhum relacionamento com o Tesouro. Não há conflito algum”, resumiu.

O acompanhamento de casos como esse passa ao largo da Secretaria de Recursos Humanos (SRH) do Ministério do Planejamento, ente da União responsável por gerenciar a política de pessoal. Em comunicado, a SRH reforçou que os órgãos têm autonomia e que o controle é descentralizado. Sobre as situações em que servidores acabam ficando mais do que seis anos afastados, o governo não se pronunciou. Apesar de ter sido procurado, o Tesouro também preferiu o silêncio.

“É sempre delicado barrar um pedido de prorrogação de alguém que ocupou cargos de destaque em algum momento. Ministro nenhum faz isso. O mesmo comportamento, porém, não vale para os funcionários de níveis intermediários, que quase sempre têm de voltar ao fim dos seis anos”, completa o técnico do governo experiente em situações dessa natureza.

Fábio de Oliveira Barbosa é outro servidor graduado que, assim como Valdery Albuquerque, experimentou o que de melhor o setor privado pode oferecer em termos de status e remuneração. Ex-secretário do Tesouro (1999-2002), mas concursado do Banco Central, Barbosa pediu licença não remunerada à autoridade monetária em julho de 2002 para assumir a diretoria financeira da mineradora Vale, da qual só saiu em junho deste ano. De acordo com o BC, a previsão de término da licença do funcionário é 30 de junho de 2011. A expectativa é se ele retomará o cargo antes do tempo ou buscará novas oportunidades no mercado. Em nota, o BC descartou ilegalidade ou conflito de interesses “considerando que a Vale não está sob supervisão ou regulação do Banco Central”.

Para órgãos como a Receita Federal, o Tesouro e o BC, o Correio pediu a lista contendo os nomes, cargos e o período de afastamento dos servidores. Ainda que parcialmente, apenas o BC respondeu: “A quantidade de servidores em afastamento vem sendo progressivamente reduzida nos últimos anos”, indicou o órgão. Conforme o banco, e seguindo o que manda a lei, 167 funcionários estão afastados — entre cedidos e licenciados por razões pessoais ou para capacitação.

A distância

No caso da Receita Federal, há indícios de que alguns servidores licenciados estariam montando consultorias para ensinar a empresas e pessoas físicas como pagar menos impostos ou mesmo não contribuir com o Fisco por meio de artifícios contábeis. Já os licenciados do Tesouro podem estar ensinando os meandros dos bilionários leilões de títulos públicos, facilitando a vida de instituições financeiras interessadas em ampliar seus lucros. Isso, sem falar dos importantes contatos deixados nos órgãos de origem, abrindo o acesso a informações privilegiadas e aos lobbies.

Diante dessas suspeitas, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República, encarregada de fazer valer o código de conduta da alta administração federal, baixou, em 2003, uma resolução específica para julgar conflitos de interesse. O texto recomenda ações de prevenção e estabelece o que deve ser fortalecido dentro do funcionalismo com o objetivo de prevenir os abusos. Essa instância, porém, não interfere no dia a dia dos órgãos, deixando o acompanhamento dos casos espinhosos nas mãos dos gestores diretos. Mesmo assim, temas de destaque vêm sendo debatidos internamente. “Há questões em discussão. Por que um cidadão que fez concurso público para exercer o cargo fica tanto tempo trabalhando fora? Por que, então, esse cidadão quis fazer parte do Estado?”, indagou um dos membros da comissão.

Mário Alencastro, professor de ética profissional da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e especialista em temas relacionados ao funcionalismo, disse que o mais importante é definir a fronteira entre o que é legal e o que é moral. Para ele, determinados valores éticos ainda estão em construção no Brasil, daí a dificuldade do governo e dos órgãos em encontrar respostas para a maioria das situações a que são submetidos. “O que não é possível é que o cidadão lance mão de determinadas ferramentas, sabendo que está seguro, para sair do funcionalismo”, afirmou. Evitando fazer generalizações, o analista reforçou que o problema maior talvez esteja na falta de vocação da mão de obra que ingressa no setor público. “Essa mentalidade errada ainda está muito presente”, completou."

(Fonte: Luciano Pires - Correio Braziliense)

Um comentário:

  1. Por isto o sofrimento de quem quer um serviço público de qualidade está cada vez mais distante.Só o que vemos é empresas terceirizadas,fazendo o papel daqueles que fizeram concursos público e não exercem suas funções.Ficando de fora um bucado de pessoas capacitadas esperando uma vaga de emprego em um concurso público.Estes servidores afastado era para perder os seus cagos e sua vaga por está exercendo funções em outro cargo não público.A Nação Brasileira tem um grande prejuiso finânceiro e moral.Tem que rever certas leis que amparam os apadrinhados dos politicos influêntes.É um grande desrespeito à todos nós brasileiros, que trabalhamos tanto para depois pedir uma aposentadoria irrisória a nossa contribuição de tanto tempo.Estes caras retornam ao cargo público quando está proximo de se aposentarem,para conseguirem um altissimo salário e se aposentam com duas aposentadorias,uma do setor Público e outro do setor Privado.Pedimos a Deus muita paciência de ver as coisas erradas e não poder resolver de imediato.Abraços à todos!

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