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quinta-feira, 23 de julho de 2009

CRACOLÂNDIA - UM INFERNO AFETIVO

"Ante ontem, numa calçada da Rua Aurora, ao lado da Praça da República, uma senhora de rua deu um sorriso e me disse: - Moço. Vai com Deus.


Pensei que naquele momento ela estaria mais precisando de Deus do que eu, mas sabe lá.


No dia seguinte começou uma grande operação de vinte instituições dos governos estadual e municipal para intervir na Cracolândia. Buscavam separar os traficantes, dos usuários de droga, dos loucos (20% do contingente) ou dos simples moradores de rua e dos cortiços adjacentes.


Um terço das habitações foi lacrado por absoluta falta de condições. Maconha, crack e cocaína foram apreendidas nessa hierarquia.


Seis doentes graves foram hospitalizados. Loucos foram enviados a serviços especializados. Cada caso foi conduzido e tratado com a devida peculiaridade.


A operação foi precedida, na última segunda feira, por uma reunião na qual estiveram presentes o Comandante do Policiamento do Centro, Coronel Camilo e o Secretario das Subprefeituras, Andréa Matarazzo e 18 outros representantes de órgãos públicos. A liderança da operação esteve a cargo do Coronel, pelas implicações legais que envolvem as questões do espaço público.


O vice-prefeito do centro, com quem almocei, disse-me que as dificuldades são muitas: de ordem prática, jurídica e humana. Observou que o morador de rua, principalmente quem tem ponto fixo, prefere ficar na rua por razões afetivas. Geralmente é bem tratado por pessoas que lhe dão roupas, frutas e mesmo lhe transmitem alguma afetividade verbal, atenções que não recebe em casa. Um morador de rua da Cracolândia chegou a por uma placa, onde estava escrito: Não me acordem, já jantei. Isso porque há tantas instituições que servem comida a noite no centro, que ás vezes eles são abordados mais de uma vez para serem alimentados.


A Cracolândia abriga, no todo, cerca de 500 pessoas, 300 nos cortiços e 200 na rua mesma. Há ainda um contingente de freqüentadores transitórios, vindos de outros bairros e até de municípios vizinhos, atraídos ora pela facilidade de encontrar droga, ora em busca da assistência social dispensada à população pelas ONGS e outros organismos de caráter público.


Já houve um balanço da operação pelas autoridades, mas ainda não há uma avaliação dos seus resultados, nem de suas conseqüências. Mas felizmente o problema se esta circunscrevendo à competência adequada, o poder público, porque realmente não é admissível que cidadãos precisem ligar chuveiros nas janelas dos apartamentos para expulsarem os moradores das calçadas."


(Fonte: Jorge da Cunha Lima)

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