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domingo, 26 de julho de 2009

BRASIL - "TOQUE DE RECOLHER" COMEÇA A GERAR POLÊMICA

"Circular pelas ruas à noite depende da idade da pessoa. Em pelo menos 21 municípios brasileiros, distribuídos em oito Estados, segundo levantamento do Correio, o trânsito de crianças e adolescentes com menos de 18 anos está proibido a partir de determinado horário. Apelidada de toque de recolher, a medida faz parte de uma tentativa de juízes de diminuir a violência que assola jovens, tanto como vítimas quanto como algozes.

A iniciativa, embora tenha provocado a diminuição das ocorrências policiais em algumas cidades, criou uma verdadeira guerra entre grupos de defesa dos direitos da criança. Tanto que o imbróglio acabou chegando ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, na primeira sessão de agosto, marcada para o dia 4, terá de analisar a legalidade das portarias municipais, acusadas de ferirem garantias individuais estabelecidas na Constituição.

O governo já se pronunciou contrário à iniciativa. “A edição de portarias judiciais foi limitada no artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em relação à forma como estava descrita no Código de Menores. Ou seja, precisam, agora, ser editadas caso a caso, e não em caráter geral. Além disso, o artigo 5º da Constituição Federal também assegura o direito de ir e vir a todos”, critica Carmen de Oliveira, subsecretária de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República.

É também ao ECA que o juiz Evandro Pelarin, responsável por uma das primeiras portarias no país sobre o que ele prefere chamar de toque de acolher, e não recolher, se apega. “Ninguém menciona que há restrições legais previstas no ECA em relação ao direito de ir e vir. Outro ponto é o artigo 227, inciso 5º, da Constituição, que prevê a possibilidade de privação de liberdade, inclusive de crianças”, rebate o juiz.

Embora o CNJ ainda vá se pronunciar, o conselheiro Marcelo Nobre teve de se debruçar sobre o assunto há pouco mais de um mês para analisar, individualmente, um pedido de suspensão do toque de recolher implementando em Nova Andradina (MS). “A portaria da juíza estava fundamentada no Estatuto da Criança e do Adolescente e, portanto, entendi que não deveria ser suspensa. Houve um recurso contra essa decisão e teremos que apreciar novamente”, explica Nobre.

O município sul-matogrossense Fátima do Sul, que há cerca de três meses instituiu o toque de recolher a partir das 22h, contabilizou uma diminuição de abordagens de adolescentes de 67 para 49 nos primeiros 30 dias de medida. No caso de ocorrências, a queda foi de sete registros para três, no mesmo período.

Em Fernandópolis (SP), que no final de 2005 começou a restringir a circulação de meninos e meninas depois das 23h, o número é mais acentuado: 378 atos infracionais registrados naquele ano, contra 265 em 2008. Mas nem todos os municípios apresentam tal tendência. Em Patos de Minas, a cerca de 400 km de Belo Horizonte, as ocorrências policiais envolvendo menores de 18 anos cresceram 44% nos primeiros 25 dias de medida, em relação ao mesmo período de 2008.

Advogado e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Ariel de Castro questiona os resultados positivos apresentados pelas autoridades em virtude do toque de recolher. “Pode até haver uma diminuição das ocorrências, mas apenas num primeiro momento. Além disso, temo que, enquanto a polícia está perseguindo crianças e adolescentes, num flagrante desvio de função, os crimes cometidos por adultos cresçam”, argumenta. Segundo ele, a falta de estrutura do aparato policial levará a uma inevitável frouxidão das fiscalizações. “A Lei Seca e o desarmamento são exemplos.”

Cada município brasileiro que adotou o toque de recolher tem regras próprias. O horário pode variar conforme a idade do adolescente, como em Itapura e Ilha Solteira, ambos no interior de São Paulo. Nas duas cidades, quem tem menos de 13 anos deve voltar para casa às 20h30. Para os de 15 anos, o limite sobe para 22h. E dos 16 aos 18, a tolerância termina às 23h.

Fiscalização "light"

Na mineira Arcos, com cerca de 35 mil habitantes, que editou portaria de recolhimento de adolescentes ainda em 2005, a população já sente um certo relaxamento. Mãe de Antônio Rodrigues de Castro Neto, de 19 anos, e de João Pedro Lima Castro, de 15, a professora Maria de Lurdes Castro, de 50, apoia o toque de recolher, mas salienta que nem sempre a regra é respeitada.

Os filhos confirmam. Antônio Neto lembra que, no passado, ele e os amigos chegavam a voltar para casa ao ver a presença dos comissários. "Corríamos deles. Tínhamos medo porque eles fiscalizavam mesmo. Agora não é mais assim. Tem muito adolescente na rua hoje", diz.

João Pedro concorda com o irmão e afirma: ninguém mais tem medo de ser abordado pelo comissariado. "Eles pegam mais aqueles que estão ingerindo bebida alcoólica, mas se você ficar tranquilo, nunca será mandado para casa", conta. A professora Mônica Castro, de 46 anos, ressalta que o limite é colocado dentro de casa, na relação com o filho de 16 anos, José Roberto de Paula Júnior, que adora sair com os amigos nos fins de semana. Apesar disso, ela não nega que o apoio do comissariado tranquiliza os pais. "Precisava haver maior fiscalização", reclama. José Júnior afirma que nunca teve problemas na noite de Arcos. "Como eu não bebo, nunca me pararam", afirma. (RN e SL).

Onde o toque foi adotado

Bahia
Santo Estevão
Ipecaetá
Antonio Cardoso

Goiás
Mozarlândia

Mato Grosso do Sul
Fátima do Sul
Nova Andradina
Jateí
Vicentina

Minas Gerais
Patos de Minas
Arcos
Pompeu

Paraíba
Sapé
Taperoá
Livramento
Assunção

Paraná
Cambará

Rondônia
Guajará-Mirim

São Paulo
Ilha Solteira
Fernandópolis
Itapura
Mirassol."

(Fonte: Correio Braziliense)

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