Evelin Mattoso dos Reis não tinha 18 anos quando começou a trabalhar na Delegacia de Furtos e Roubos. Ela completou a maioridade no último dia 24 de fevereiro, mas em outubro do ano passado já ensaiava os primeiros boletins de ocorrências. Precisou dois meses mais de paciência. O contrato de estágio só saiu em 29 de dezembro, e ela passou a trabalhar em 4 de janeiro, dois meses antes de fazer 18 anos.
A presença de uma adolescente na delegacia, ainda mais dando expediente diário, parece nunca ter sido um problema para as autoridades da segurança pública. Evelin está no terceiro ano do ensino médio e pretende cursar Direito. A mãe, escrivã na mesma delegacia, facilitou o estágio. Nesses seis meses, Evelin calcula ter feito "uns dois mil" boletins de ocorrência.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP) afirma que, até o final do ano, 800 policiais terão sido incorporados à instituição, entre delegados, escrivães e investigadores. De acordo com a SESP, 272 policiais saíram da Escola de Polícia em março e foram incorporados. Outros 253 estão passando pela formação e irão para as delegacia a partir de março.
Segundo o presidente da União da Polícia Civil, Wilson Villa, as incorporações são importantes, mas não resolvem completamente a falta de quadros dentro da polícia.
- Desse pessoal que entrou em março, 10% já pediram para sair porque foram aprovados em outros concursos ou porque viram que a profissão é muito difícil. Além disso, temos muitos policiais que estão se aposentado. Precisaríamos acelerar a incorporação de novos policiais.
O jornal Gazeta do Povo teve acesso a documentos que comprovam a nomeação de muitos estagiários como escrivães ad hoc. Esses assumem funções mais complexas, como lavrar autos de prisão e de apreensão, por exemplo. Os escrivães de carreira não passam de 700 no estado. São eles que atendem a toda a demanda de ocorrências levadas às delegacias pela Polícia Militar, Polícia Rodoviária e Guarda Municipal. A sobrecarga de trabalho acaba levando recorrer à ajuda dos estagiários, que aos poucos os têm substituído.
A rotatividade mensal de estagiários nas repartições públicas gira em torno de 10%. O governo paga R$ 4,50 a hora para estudantes de nível superior, dando uma média de R$ 520 por mês, e R$ 3,50 para alunos do ensino médio.
Em 2006, o Tribunal de Contas fez uma ressalva às contas do governo por causa dos gastos com pessoal devido ao expressivo aumento de estagiários em repartições públicas, provocando uma redução igualmente expressiva do pessoal temporário regido pela CLT. Na segurança pública, o problema transcende as questões trabalhistas.
- Um estagiário não tem preparo para montar um inquérito - diz o presidente do Sindicato dos Policiais Civis de Londrina e Região (Sindipol), Ademílson Antônio Alves Batista.
Ele é favorável ao estágio, mas não como mão-de-obra. A reportagem também tentou contato com outras entidades de classe ligadas à Polícia Civil. O Sinclapol (Sindicato das Classes Policiais Civis do Paraná) passa por uma intervenção judicial e a União da Polícia Civil do Paraná indicou o Sinclapol em Londrina para comentar a questão.
O uso descontrolado dos estagiários é um dos reflexos do encolhimento da polícia paranaense. O jornal Gazeta do Povo mostrou no início do ano que a proporção de um policial para cada 2,9 habitantes é pequena para a principal missão da Polícia Civil: desvendar crimes. A população cresceu, a violência também, mas o efetivo encolheu. A falta de pessoal impede a investigação de todos os crimes. Daí a prioridade para os mais graves. Os "crimes menores", como furtos, por exemplo, muitas vezes são simplesmente ignorados.
Para sindicalistas, o estado precisaria ter pelo o dobro dos atuais 3.500 policiais. Um paliativo foi a volta ao trabalho de 360 aposentados e o preenchimento das 542 vagas do último concurso. O Paraná fez 11 concursos públicos entre 1973 e 2007, mas sempre com a incorporação de número insuficiente de policiais. No último, foram apenas 44 delegados, 300 investigadores, 70 escrivães e 128 papiloscopistas (peritos em identificação). A realidade da polícia é de um delegados para mais de uma cidade, equipes reduzidas e muitos estagiários nas delegacias. Delegados de cidades maiores acumulam o serviço de cidades vizinhas menores, onde a delegacia normalmente é ocupada por policiais militares ou funcionários de prefeituras.
A Gazeta do Povo também já mostrou que a maioria dos delegados da região metropolitana de Curitiba, com exceção da capital, é obrigada a atender mais de um município ao mesmo tempo. São 15 delegados para 27 municípios. Nove deles, o equivalente a 60% do total, têm mais de uma cidade sob sua responsabilidade.
De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Segurança Pública, a Polícia Civil tem convênio com estagiários do ensino médio e superior. Os estagiários do ensino médio desenvolvem atividades administrativas como atendimento telefônico e os universitários realizam atividades pertinentes ao curso que estão fazendo. Grande parte dos estagiários do 3º grau é estudante do curso de Direito, seguido pelo curso de Psicologia. Ainda de acordo com a assessoria, todos os estagiários são supervisionados pelos Departamentos onde realizam as atividades e relatórios mensais são preenchidos e encaminhados ao setor de Estágio do Departamento da Polícia Civil. A assessoria também informa que não pode responder pela idade dos estagiários, já que os mesmos são encaminhados pela Central de Estágio da Secretaria da Administração."
(Fonte: Portal RPC e O Globo)
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