Uma equipe coordenada por Misse, que lança amanhã o livro “O Inquérito Policial no Brasil: uma pesquisa empírica”, estudou o modo como a Polícia Civil investiga e o processo burocrático que a engessa. Para ele, o excesso de formalismo da polícia torna a investigação ineficaz: toma tempo dos agentes que deveriam estar atrás de autores de crimes, colhendo depoimentos e provas técnicas de maneira mais informal e menos judiciária. As conseqüências apontadas são a baixa taxa de elucidação de crimes como homicídios e roubos, e a sensação de impunidade.
De 3.167 homicídios analisados na capital do Estado do Rio em 2005, só 111 (3,5% do total) tinham sido denunciados pelo Ministério Público (MP) até agosto de 2009. Não foram considerados os casos em que houve prisões em flagrante, quando há um autor determinado.
Essa é apenas a primeira etapa na eventual condenação de alguém. O MP recebe um relatório da Polícia Civil e apresenta ou não a denúncia, pedido de condenação feito pelo promotor, quando considera haver elementos de prova contra uma pessoa. Após a denúncia, um juiz precisa aceitá-la para dar início ao processo criminal, que pode terminar em condenação ou absolvição. Por esse motivo, provavelmente os eventuais condenados representam percentual ainda inferior a esses 3,5%.
De acordo com a pesquisa, encomendada pela Federação Nacional de Policiais Federais (Fenapef), a maioria dos casos no Rio – 2.400, ou 76% do total – voltou às delegacias para novas diligências. Isso indicaria que boa parte das investigações tinha lacunas de informação, na opinião de promotores de justiça. Outros 394 inquéritos (12%) foram arquivados.
Com base nesses dados, de acordo com os pesquisadores, não se pode estabelecer com precisão a taxa de elucidação dos crimes. Uma análise preliminar de informações referentes a processos que chegaram ao Tribunal de Justiça do Rio no mesmo ano da ocorrência mostrou taxa de condenação de 7,5%, incluídos os casos de prisão em flagrante. O livro estima em até 15% a taxa de elucidação após cinco anos do crime e cita estudo do sociólogo Ignácio Cano, no mesmo sentido, que fala em 10%.
No caso dos roubos, o número de denúncias em relação aos registros de ocorrência é ainda menor. De 69.621 casos registrados nas delegacias de Polícia Civil da capital do Rio em 2005, apenas 1.258 (1,8%) chegaram ao Ministério Público até 4 anos e meio depois. Desse universo, em só 370 (0,5% do total) casos, um promotor ofereceu denúncia.
Para Michel Misse, policiais não percebem a diferença entre “investigação policial” e “inquérito policial”. “É este o principal ponto. A investigação é parecida em qualquer lugar do mundo: é o conhecimento técnico para a elucidação de crimes. Não tem nada a ver com Direito. É neutra, imparcial. Não cabe à polícia formar culpa, mas ao Judiciário – por isso a polícia faz parte do Executivo, não do Judiciário. No Brasil, o sistema é misto. A polícia faz a investigação e é encarregada da tomada de depoimentos, o delegado tem de ser bacharel em direito, que entrega o relatório ao Ministério Público.”
Na opinião do sociólogo, apesar de o inquérito não ter valor jurídico, na prática é o material obtido pela polícia que conta. “A polícia predomina em todas as etapas do processo. Isso vem de uma tradição inquisitorial, do Santo Ofício. A etapa policial é significativa”, afirmou."
(Fonte: Raphael Gomide, iG)
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