"Levantamento feito pelo Correio mostra que em mais da metade das unidades da Federação há casos de magistrados que foram assassinados ou estão jurados de morte por criminosos que foram condenados por eles. Histórias de casas metralhadas e ameaças por carta e por telefone são comuns na vida desses juízes."
"A violência ronda os gabinetes dos juízes brasileiros. Não escolhe região nem hora para atacar. Há seis anos, o juiz da Vara de Execuções Penais Alexandre Martins foi executado a tiros na porta da academia em Vila Velha (ES). A tragédia virou livro. Vítima de uma emboscada, o juiz-corregedor Antônio José Machado Dias, que atuava em presídios de Presidente Prudente (SP), foi alvejado na volta para casa, também em 2003. O julgamento do suposto mandante — Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola, chefe de uma das facções criminosas mais perigosas do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) —, foi adiado para o próximo mês.
Todos os dias, uma jovem magistrada do Rio Grande do Norte percorre sozinha os 50 quilômetros que ligam a casa ao trabalho rezando. Teme pela própria vida e pela da filha pequena, que espera a mãe voltar. É mais uma vítima da falta de estrutura do Estado para protegê-la. No Pará, um juiz teve que deixar o trabalho de helicóptero depois que o prédio foi incendiado.
No interior de Goiás, uma juíza já sofreu ameaças de grupos bem distintos. Teve a casa arrombada e revirada depois de cassar o mandato de um prefeito por compra de votos. “Me senti aviltada, humilhada, ultrajada na minha dignidade de cidadã e de profissional”, conta a magistrada, de 42 anos, que não revela o nome nem mostra o rosto por medo de represálias. Depois de mandar prender um grupo de perigosos bandidos, ela também recebeu telefonemas, bilhetes com ameaças e se assustou várias vezes ao abrir a caixa do correio e se deparar com réplicas de caixões — com pequenos bonecos dentro, simbolizando defuntos. “Eu só rezava. Compulsivamente”, conta a católica, fervorosa devota de Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora Aparecida.
Promovida e morando em outra cidade de Goiás, a juíza conseguiu escapar da morte. Mas paga o preço até hoje: anda com escolta 24h por dia. Só recentemente pôde voltar a lecionar e a correr, paixões que havia deixado de lado para se proteger. Um projeto, adiado nos últimos cinco anos, ainda pretende retomar: o de ser mãe. “Não tinha o direito de submeter uma criança a viver escondida”, afirma, sem conseguir esconder um traço de tristeza nos belos olhos verdes. Ela não quer passar pelo medo de perder a filha, que assombra a colega potiguar.
Casa metralhada
Em Mato Grosso, a juíza Hanae Yamamura de Oliveira Gabriel, 31 anos, não tem medo de dizer o nome. Mas não esquece dos momentos de terror que viveu no ano passado. Ela teve a casa metralhada depois de mandar prender integrantes de uma quadrilha de traficantes em São José dos Quatro Marcos, no sudoeste mato-grossense. “Eu, minha mãe e meu bebê (na época com sete meses) tivemos que ficar agachados num canto da casa, no chão, com a luz apagada, até que escutei a sirene da polícia lá fora. Foram os piores momentos da minha vida”, relata Hanae, que pediu transferência para outra cidade depois do episódio. “Não queria ser uma heroína morta”, lamenta.
Não há estatísticas oficiais que reúnam o número de juízes brasileiros assassinados ou jurados de morte por criminosos que tentam se vingar de sentenças impostas a eles. Levantamento feito pelo Correio revela que em pelo menos 15 dos 26 estados brasileiros há registro de mortes ou de juízes vítimas de atentados ou perseguição no exercício da profissão. A maioria dos casos é mantida sob sigilo. O risco parece ser ainda maior para quem atua nas varas criminais ou de execução penal. Vigiados e sem privacidade, os juízes federais Odilon de Oliveira e Julier Sebastião da Silva são exemplos: travam há anos uma disputa com traficantes que atuam nas fronteiras do Brasil. Só andam com escolta da Polícia Federal (PF).
Em Minas Gerais, segundo o presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), Nelson Missias de Morais, 14 juízes estão sob ameaça de morte — a maioria trabalha no interior. Disputas políticas e interesses locais também acendem o sinal de alerta em outras unidades da Federação. Depois da Operação Taturana, o juiz Gustavo Souza Lima, de Alagoas, está sob proteção do Estado.
Guarda judiciária
A violência preocupa a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que reúne 13 mil profissionais. No fim do mês, a AMB vai discutir a falta de segurança durante o congresso nacional da categoria, em São Paulo. Na última pesquisa feita pela associação, em fevereiro, os juízes ouvidos disseram que quase metade das unidades judiciais brasileiras não possui nenhum tipo de policiamento. Onde há policiais, 85% dos magistrados consideram o número insuficiente para garantir a segurança.
Muitos reclamam da falta de infraestrutura dos fóruns, principalmente no interior. “É um problema que vai além do magistrado. Ele trabalha num prédio público, para o bem público. Segundo a Constituição, é atribuição do Executivo cuidar da segurança. Na maioria ou quase totalidade do país, principalmente no interior, os juízes ficam completamente desamparados. Não há detector de metais nos fóruns, não há câmeras, é um caos total”, diz o presidente da AMB, Mozart Valadares.
Uma das reivindicações da entidade é a criação de uma guarda judiciária para tratar da segurança de fóruns. “É preciso que a autoridade possa exercer sua função com tranquilidade. Queremos uma polícia dedicada única e exclusivamente ao Poder Judiciário. Isso poderia garantir a integridade dos fóruns e a segurança de magistrados, serventuários, oficiais de justiça e da população”, defende Valadares.
Atualmente, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cada tribunal tem autonomia para decidir de que forma será feita a segurança dos fóruns. Em muitos locais, a Polícia Militar é destacada para a função, mas não existe um padrão. O conselho, órgão responsável pelo controle externo do Judiciário, já constatou desvios. “Em algumas comarcas, policiais cuidam até da segurança da casa de desembargadores e não cuidam dos fóruns”, critica o presidente da AMB."
(Fonte: Alana Rizzo, Mirella D'Elia - Correio Braziliense)
"A violência ronda os gabinetes dos juízes brasileiros. Não escolhe região nem hora para atacar. Há seis anos, o juiz da Vara de Execuções Penais Alexandre Martins foi executado a tiros na porta da academia em Vila Velha (ES). A tragédia virou livro. Vítima de uma emboscada, o juiz-corregedor Antônio José Machado Dias, que atuava em presídios de Presidente Prudente (SP), foi alvejado na volta para casa, também em 2003. O julgamento do suposto mandante — Marcos Willian Herbas Camacho, o Marcola, chefe de uma das facções criminosas mais perigosas do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) —, foi adiado para o próximo mês.
Todos os dias, uma jovem magistrada do Rio Grande do Norte percorre sozinha os 50 quilômetros que ligam a casa ao trabalho rezando. Teme pela própria vida e pela da filha pequena, que espera a mãe voltar. É mais uma vítima da falta de estrutura do Estado para protegê-la. No Pará, um juiz teve que deixar o trabalho de helicóptero depois que o prédio foi incendiado.
No interior de Goiás, uma juíza já sofreu ameaças de grupos bem distintos. Teve a casa arrombada e revirada depois de cassar o mandato de um prefeito por compra de votos. “Me senti aviltada, humilhada, ultrajada na minha dignidade de cidadã e de profissional”, conta a magistrada, de 42 anos, que não revela o nome nem mostra o rosto por medo de represálias. Depois de mandar prender um grupo de perigosos bandidos, ela também recebeu telefonemas, bilhetes com ameaças e se assustou várias vezes ao abrir a caixa do correio e se deparar com réplicas de caixões — com pequenos bonecos dentro, simbolizando defuntos. “Eu só rezava. Compulsivamente”, conta a católica, fervorosa devota de Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora Aparecida.
Promovida e morando em outra cidade de Goiás, a juíza conseguiu escapar da morte. Mas paga o preço até hoje: anda com escolta 24h por dia. Só recentemente pôde voltar a lecionar e a correr, paixões que havia deixado de lado para se proteger. Um projeto, adiado nos últimos cinco anos, ainda pretende retomar: o de ser mãe. “Não tinha o direito de submeter uma criança a viver escondida”, afirma, sem conseguir esconder um traço de tristeza nos belos olhos verdes. Ela não quer passar pelo medo de perder a filha, que assombra a colega potiguar.
Casa metralhada
Em Mato Grosso, a juíza Hanae Yamamura de Oliveira Gabriel, 31 anos, não tem medo de dizer o nome. Mas não esquece dos momentos de terror que viveu no ano passado. Ela teve a casa metralhada depois de mandar prender integrantes de uma quadrilha de traficantes em São José dos Quatro Marcos, no sudoeste mato-grossense. “Eu, minha mãe e meu bebê (na época com sete meses) tivemos que ficar agachados num canto da casa, no chão, com a luz apagada, até que escutei a sirene da polícia lá fora. Foram os piores momentos da minha vida”, relata Hanae, que pediu transferência para outra cidade depois do episódio. “Não queria ser uma heroína morta”, lamenta.
Não há estatísticas oficiais que reúnam o número de juízes brasileiros assassinados ou jurados de morte por criminosos que tentam se vingar de sentenças impostas a eles. Levantamento feito pelo Correio revela que em pelo menos 15 dos 26 estados brasileiros há registro de mortes ou de juízes vítimas de atentados ou perseguição no exercício da profissão. A maioria dos casos é mantida sob sigilo. O risco parece ser ainda maior para quem atua nas varas criminais ou de execução penal. Vigiados e sem privacidade, os juízes federais Odilon de Oliveira e Julier Sebastião da Silva são exemplos: travam há anos uma disputa com traficantes que atuam nas fronteiras do Brasil. Só andam com escolta da Polícia Federal (PF).
Em Minas Gerais, segundo o presidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), Nelson Missias de Morais, 14 juízes estão sob ameaça de morte — a maioria trabalha no interior. Disputas políticas e interesses locais também acendem o sinal de alerta em outras unidades da Federação. Depois da Operação Taturana, o juiz Gustavo Souza Lima, de Alagoas, está sob proteção do Estado.
Guarda judiciária
A violência preocupa a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que reúne 13 mil profissionais. No fim do mês, a AMB vai discutir a falta de segurança durante o congresso nacional da categoria, em São Paulo. Na última pesquisa feita pela associação, em fevereiro, os juízes ouvidos disseram que quase metade das unidades judiciais brasileiras não possui nenhum tipo de policiamento. Onde há policiais, 85% dos magistrados consideram o número insuficiente para garantir a segurança.
Muitos reclamam da falta de infraestrutura dos fóruns, principalmente no interior. “É um problema que vai além do magistrado. Ele trabalha num prédio público, para o bem público. Segundo a Constituição, é atribuição do Executivo cuidar da segurança. Na maioria ou quase totalidade do país, principalmente no interior, os juízes ficam completamente desamparados. Não há detector de metais nos fóruns, não há câmeras, é um caos total”, diz o presidente da AMB, Mozart Valadares.
Uma das reivindicações da entidade é a criação de uma guarda judiciária para tratar da segurança de fóruns. “É preciso que a autoridade possa exercer sua função com tranquilidade. Queremos uma polícia dedicada única e exclusivamente ao Poder Judiciário. Isso poderia garantir a integridade dos fóruns e a segurança de magistrados, serventuários, oficiais de justiça e da população”, defende Valadares.
Atualmente, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cada tribunal tem autonomia para decidir de que forma será feita a segurança dos fóruns. Em muitos locais, a Polícia Militar é destacada para a função, mas não existe um padrão. O conselho, órgão responsável pelo controle externo do Judiciário, já constatou desvios. “Em algumas comarcas, policiais cuidam até da segurança da casa de desembargadores e não cuidam dos fóruns”, critica o presidente da AMB."
(Fonte: Alana Rizzo, Mirella D'Elia - Correio Braziliense)
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