"O acordo firmado entre a CUT, Força Sindical, CGTB, UGT e o governo federal, e que deve ser aprovado em breve na Câmara dos Deputados, ficou aquém das expectativas dos aposentados brasileiros. A decisão é contestada pela Cobap (Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas), que não reconhece nas centrais sindicais legitimidade para fechar acordos em nome dos trabalhadores aposentados com o Executivo. "Queremos que os projetos do senador Paulo Paim (PTRS) é que vão à votação", destaca o presidente da Cobap, Varley Gonçalves.
O senador petista tem sido o principal aliado dos aposentados no Congresso Nacional. São de autoria dele os projetos de lei que preveem o mesmo percentual de reajuste para os beneficiários que recebem acima do salário mínimo e os que ganham o piso. Paim também quer extinguir o fator previdenciário, mecanismo que achata o salário do trabalhador em até 40% no momento em que ele sai da ativa. O parlamentar também está empenhado em aprovar uma emenda à Constituição que veta o bloqueio ou contingenciamento das dotações orçamentárias destinadas à seguridade social pelo Executivo.
Os três mecanismos que penalizam milhares de aposentados foram introduzidos no cenário nacional pelo governo do ex presidente Fernando Henrique Cardoso, na década de 90. A proposta acordada entre as quatro centrais sindicais e o governo Lula atenua as perdas causadas ao longo dos anos pela administração tucana, mas mantém distorções ao não garantir a isonomia no percentual de reajuste dos vencimentos entre os aposentados que recebem acima do salário mínimo e os que ganham o piso salarial.
O teto das aposentadorias pagas pelo Ministério da Previdência Social aos segurados do INSS é de R$ 3.218, 90. Em julho, o Ministério pagou benefícios previdenciários a 23.213.354 segurados, dos quais 14.401.629 (62%) receberam o salário mínimo.
Pelo acordo, a partir de 2010 os aposentados que recebem até um salário mínimo terão o benefício corrigido pela variação de 100% do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 2009, além da reposição da inflação. Já para os aposentados que ganham acima do piso, o índice de reajuste em relação ao PIB cai pela metade.
O dirigente da Confederação é um dos inúmeros brasileiros que teve os benefícios previdenciários reduzidos ao se aposentar em função do fator previdenciário. "Era para eu ganhar o teto, mas só recebo R$ 1.400", lamenta. Varley se aposentou há seis anos após ter trabalhado por três décadas na mesma empresa. As condições de insalubridade permitiram que ele se aposentasse pela legislação especial.
Ele teme que a manutenção de um índice diferenciado de reajuste entre os segurados provoque, em alguns anos, uma forte concentração de aposentados na faixa de um salário mínimo. "A tendência é que daqui a algum tempo todos passem a ganhar o salário mínimo", endossa o temor, o senador Paim.
A decisão acordada entre as quatro centrais sindicais e os representantes do Executivo, além de perpetuar a distorção no reajuste dos vencimentos desses aposentados em função da manutenção de percentuais diferenciados, também estabelece cláusulas de barreira que condicionam o acesso dos trabalhadores à aposentadoria. Ao extinguir o fator previdenciário, fixa novas regras que criam o fator 95/85.
Se aprovada a proposta pela Câmara, os trabalhadores que quiserem se aposentar vão ter de cumprir uma clausula de barreira especificada por uma fórmula que associa idade a tempo de contribuição previdenciária. A nova regra fixa que para se aposentar com o valor integral do salário, o homem deverá ter completado 60 anos de idade e contribuído por 35 anos com a previdência social. Para as mulheres, o tempo de contribuição fixado fica em 30 anos conjugado à idade mínima de 55 anos.
A atual regra vigente do fator previdenciário baliza o cálculo para se chegar ao valor do benefício a que o segurado terá direito, em uma fórmula matemática que leva em consideração a idade, alíquota e o tempo de contribuição no momento da aposentadoria, associada à expectativa de vida, prevista na tabela do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). As mulheres são as maiores penalizadas pela regra atual, em função da expectativa de vida delas ser superior a dos homens.
Quintino Severo, secretário geral da CUT, uma das quatro centrais signatárias do acordo, justifica a decisão argumentando que o governo federal vetaria a proposta de reajuste isonômico para todos os aposentados. "Defendemos que o reajuste dos aposentados não pode imobilizar a reposição do salário mínimo. O governo disse que era impossível dar o mesmo índice de reajuste para todos os aposentados", argumenta.
A tese defendida pela Central é contestada pelo senador Paim. "A CUT nesse caso foi mais conservadora que o Senado, que é considerado uma Casa conservadora", alfineta. O petista considera que as centrais deveriam centrar fogo na pressão em cima dos parlamentares, com mobilizações populares, pela aprovação dos projetos de sua autoria que já foram chancelados no Senado.
Outra crítica que o senador tece é em relação à manutenção da DRU (Desvinculação de Receita da União) pelo Executivo para a dotação orçamentária da seguridade social, onde estão abrigados, além dos recursos destinados à previdência social, também os das áreas de assistência social e da saúde. O mecanismo admite o desvio de até 20% das receitas da dotação destinadas ao pagamento dos benefícios previdenciários, para qualquer tipo de gasto que o governo venha a ter. O pagamento de juros é um dos itens para os quais os recursos da previdência têm sido direcionados.
O ministro da Previdência Social, José Pimentel, foi procurado pela reportagem da Caros Amigos, por intermédio de sua assessoria de imprensa, para comentar as questões, mas não se pronunciou.
O desvio de recursos previsto pela DRU foi possível devido à legislação aprovada na gestão do tucano e mantida intacta na do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo Lula chegou a cogitar dobrar o seu percentual. "Em 2005, quando se discutia a tese do déficit nominal zero defendida por Antonio Palocci e Delfim Netto, o governo pensou em elevar o percentual para 40%", relembra o professor da Economia da Unicamp, Eduardo Fagnani.
O docente é especialista em políticas públicas e em particular em previdência social. Defensor da Constituição de 1988, ele explica que as conquistas asseguradas pela Carta Magna na área da seguridade social representaram avanços importantes e que, por isso, sempre estiveram na mira do pensamento conservador.
O texto constitucional brasileiro seguiu o modelo previdenciário dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que reúne as nações mais industrializadas do mundo. O modelo desenhado pelos constituintes baseou-se no princípio da solidariedade. Por isso, foi possível garantir, por exemplo, que os trabalhadores rurais tivessem assegurado o direito ao recebimento de aposentadoria, apesar de não terem contribuído com o fundo.
Mitos neoliberais
Ao contrário do que tentam fazer crer os neoliberais, ao propagar a falsa ideia de que a Constituição de 1988 criou direitos sem prever fontes de arrecadação para o seu sustento, o artigo 195 da Constituição Federal derruba essa falácia, ao dispor sobre o estabelecimento de uma cesta de recursos para financiamento da seguridade e consequentemente para o pagamento dos benefícios a aposentados e pensionistas. "A afirmação dos neoliberais de que a Constituição de 88 só criou despesas, sem fontes de receita, é outra mentira", afirma Fagnani.
Antes da promulgação de 1988, os recursos que bancavam a previdência social vinham basicamente da contribuição sobre a folha de pagamento em que patrões e empregados participavam com percentuais distintos, além da presença do governo. Com a promulgação da Carta Magna foram criadas contribuições específicas para subsidiar o orçamento da seguridade social como, por exemplo, Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido).
Fagnani conta que a elite não digeriu até hoje os avanços previstos na redação constitucional. "A questão de fundo é que nunca admitiram um modelo que pega 8% do PIB e vincula à seguridade social. A classe dominante e seus interlocutores, como a imprensa, queriam que esse percentual estivesse disponível para o governo pagar juros da dívida."
O senador José Sarney (PMDB-AP), à época presidente da República, afirmou em cadeia de rádio e televisão, pouco antes dos constituintes promulgarem a Carta Magna, que se o texto proposto fosse aprovado pelos parlamentares tornaria o país ingovernável. A tese advogada por Sarney era a de que os avanços sociais previstos na redação constitucional levariam o Brasil à insolvência.
O objetivo da elite, verbalizado e expresso na fala de Sarney, era justamente o de conter os avanços sociais previstos na redação do texto constitucional, mais especificamente no que tange ao capítulo que dispõe sobre a seguridade social.
A partir de então a voz conservadora não cessou os ataques às conquistas asseguradas, ao mesmo tempo em que defende a necessidade de se reformar à previdência social brasileira. O principal argumento utilizado para justificar a reforma é o de que a previdência é deficitária. O docente da Unicamp contesta essa versão. "Quando se fala que a previdência tem déficit, se mente à luz da Constituição. É uma atitude no mínimo leviana", frisa. O senador Paim reforça os argumentos de Fagnani. "Nos últimos 10 anos a seguridade teve superávit de R$ 400 bilhões. Só no ultimo ano, o superávit foi superior a R$ 50 bilhões", destaca o petista.
Os neoliberais, no entanto, insistem em afirmar que ocorreu o crescimento da despesa. A tese é rechaçada por Fagnani. Para o economista da Unicamp, o X da questão reside no fato de o mercado de trabalho ter sido comprimido ao longo de duas décadas e meia e na ausência de crescimento econômico.
"Tivemos 25 anos de estagnação econômica. O problema da previdência não é de despesa, mas de receita, de arrecadação. E arrecadação depende do quê? Depende do crescimento da economia, do mercado de trabalho, de carteira assinada. Durante 25 anos nossa taxa de crescimento foi em média de 1,8%", conta. Ele considera que a segunda gestão do presidente Lula melhorou significativamente o crescimento econômico do país.
"Todo o pensamento neoliberal se apoia em mitos, falsas verdades e no senso comum. Essa ideia que se criou, não tem nenhuma sustentação. É uma mentira". Para o professor, há uma jogada por trás desse discurso crítico em relação à previdência social nos anos 90. "Queriam abrir o mercado ao capital privado", alerta.
Os bancos e as seguradoras são os principais beneficiários dessa estratégia. A criação de um teto para as aposentadorias previstas no regime geral de previdência social também serviu a esses interesses. "Quando se cria um teto, se abre um enorme espaço para os grandes bancos internacionais e nacionais avançarem. Por isso, detonam. Agem ideologicamente, porque estão de olho nesse filão", adverte.
A reforma realizada no final dos anos 90, pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, além de mexer na previdência dos trabalhadores cobertos pelo INSS, pavimentou o caminho para os banqueiros, ao regulamentar os planos de previdência privada. O estabelecimento de um teto para os benefícios pagos pelo INSS induziu milhares de trabalhadores a buscarem uma previdência privada, para complementar a renda.
O governo Lula também prosseguiu com a regulamentação dos planos de previdência complementar fechados, nos quais os sindicatos podem gerir e incentivar seus sócios a aderir a esses planos de previdência privada, que também contribuem com a movimentação da ciranda financeira.
Idosos mantém família
A previdência pública ainda funciona para muitos beneficiários como um colchão protetor. Muitas vezes é a única fonte de renda de que dispõem para sobreviver. Dados do IBGE revelam que, em 53% dos domicílios brasileiros em que residem idosos, são eles os responsáveis por mais da metade de renda familiar. Esse percentual se eleva para 63,5% dos domicílios nordestinos.
Os vencimentos da aposentadoria também ajudam a movimentar a economia de muitas cidades brasileiras. Segundo o professor Fagnani, em aproximadamente 70% dos municípios do Estado de São Paulo o valor das aposentadorias recebidas pelos idosos é superior ao montante repassado pelo Fundo de Participação dos Municípios. No Nordeste esse percentual atinge 90% das cidades.
"Esse programa de proteção social é extraordinário. Dizem que o Brasil saiu rápido da crise por causa do consumo interno. E o que é o consumo interno? São essas famílias que continuam direcionando sua renda para o consumo." Ele teme, no entanto, que, no futuro próximo, os novos idosos não possam desfrutar dessa realidade. A desregulamentação do mercado de trabalho, em que menos gente possui carteira assinada, inviabilizaria a concessão de aposentadorias no futuro.
Legislação protege sonegadores
A lista com os nomes dos empresários sonegadores da previdência social não pode mais ser consultada pela internet. Ela foi removida do sítio do Ministério da Previdência Social com a criação da Super Receita, que passou a administrar os recursos previdenciários.
A mudança de órgão fiscalizador favoreceu os devedores da Previdência Social ao assegurar o anonimato. A Receita Federal se baliza no Código Tributário Nacional, que garante sigilo fiscal aos devedores. A nova lista que está disponível no sítio da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, responsável pelas cobranças judiciais, não aponta nem a natureza do débito nem o valor da dívida do sonegador.
O novo formato inviabiliza a consulta quando o interesse é descobrir quem são os devedores da previdência e o montante que devem ao fisco. Aproximadamente um milhão de devedores constam dessa lista, mas não se sabe o porquê de terem sido inscritos no Cadin (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal). A atual listagem praticamente só favorece aos bancos, que podem levantar informações sobre os tomadores de empréstimo.
O senador Paim conta que a dívida das três esferas do Estado Brasileiro (municípios, Estados e União) com a Previdência ultrapassa R$ 3,5 trilhões. "Mas os principais devedores da Previdência são da área privada, depois vêm os municípios." Ele critica o fato do Legislativo conceder anistia aos devedores. "O Congresso dá anistia para devedores, vai anistiando, vai anistiando e eles nunca pagam. As prefeituras não depositam a previdência e veem toda hora aqui chorar para continuar não pagando."
"Me aposentei com nove salários mínimos e hoje recebo dois..."
O metalúrgico Antonio Valeri trabalhou 35 anos antes de se aposentar. Poderia ter saído da ativa antes, em função da aposentadoria especial por insalubridade que o cargo de pintor de automóveis, que desempenhou por 28 anos na Ford, garantia. Preferiu continuar trabalhando, para robustecer o futuro benefício previdenciário, a antecipar o descanso previsto na legislação trabalhista.
A certeza de uma vida digna ao lado da mulher, logo após se aposentar em 1988, foi se frustrando ao longo das duas décadas. Valeri viu sua aposentadoria sofrer um achatamento drástico. O sonho acabou se transformando em pesadelo. "Me aposentei com nove salários mínimos e hoje recebo dois e um pouquinho. Eu não entendo isso", lamenta.
As adversidades da vida nunca foram motivo para desanimar o italiano de Strangolagalli, cidade localizada na região metropolitana de Roma, que chegou ao Brasil em 1953, com 19 anos de idade, em busca de uma vida melhor. Não tinha parentes, nem amigos, nem dinheiro. Dormiu uma semana na rua até conseguir uma vaga em um quarto, que o proprietário aceitou fiar até ele encontrar trabalho.
"Naquela época não tinha perigo."
O primeiro emprego veio por indicação do dono do bar onde ele guardava a mala enquanto saía para procurar trabalho. Começou a abrir buracos no solo para a instalação da rede de esgoto. O trabalho era pesado e o salário minguado. A condição de imigrante sem documentação legalizada manteve Valeri no emprego até encontrar outro que o remunerasse melhor.
Agora já não dormia mais ao relento, mas os bens materiais limitavam-se a uma cama com colchão e uma coberta fina. "Demorei seis meses para comprar o travesseiro", relembra.
Valeri não esconde a indignação de ver a aposentadoria corroída pelas perdas acumuladas ao longo de anos. "Trabalhei 35 anos e agora passaria fome se os meus filhos não me ajudassem. A gente tem de ir à feira, farmácia, ao mercado, sacolão, não dá, não dá mesmo. Os aposentados no Brasil são maltratados, pisados, esmagados."
Ele critica a decisão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de desvincular o índice de reajuste dos aposentados do percentual aplicado ao piso. "O Fernando Henrique chamou a gente de vagabundo. Mas vagabundo é ele, que se aposentou com 39 anos de idade", devolve.
O descaso em relação aos aposentados é apontado por ele como um desrespeito a quem ajudou a construir o país. "Não é só comigo que fazem isso, tem muito velhinho aposentado que deu a vida neste país. Quem construiu este país foram os aposentados, mas vê se eles entendem isso", critica, referindo-se às autoridades.
O ex metalúrgico não debita na conta do ex colega de profissão e atual presidente da República uma fatura alta. "O Lula entrou lá e disse que ia melhorar para nós, mas continua a mesma coisa do Fernando Henrique. Mas eu não vou xingar ele, porque foi o único que ajudou o Brasil. Estacionou a inflação e sustentou até hoje, senão não dava nem para comer", ressalta.
Ele tem esperança em conseguir recompor o poder de compra que adquiriu quando estava na ativa. "Não quero nem os atrasados, só quero voltar a ganhar os nove salários que eu ganhava quando me aposentei."
A situação de Valeri se complicou nos últimos meses. Ele precisou ser hospitalizado devido a um problema ocasionado por um remédio errado entregue na farmácia do posto de saúde perto de sua residência.
Na sequência o aposentado foi vítima de erro médico. A solicitação da ressonância magnética especificava que o exame deveria ser feito sem contraste, devido a uma insuficiência renal, mas o médico realizou o procedimento com a substância.
Atualmente ele realiza sessões de hemodiálise três vezes por semana e duas de fisioterapia. Não dirige mais e depende da mulher e dos filhos para tudo. O convênio e os remédios são pagos pela filha, que é professora da rede municipal de ensino na capital paulista.
"Se eu fosse pagar do meu bolso eu ia comer o quê? O sol, a lua...", afirma indignado. Ele também reclama da propaganda feita pelo prefeito Gilberto Kassab na eleição passada. "O posto de saúde está uma droga, falavam que tinha remédios em casa, mas não tem nem lá. É tudo mentira, só fazem isso para ganhar votos."
(Fonte: Lúcia Rodrigues - Caros Amigos - Fundação Lauro Campos via e-mail)