CONTATO

CONTATO VIA E-MAIL: coronelbessa@hotmail.com

quarta-feira, 1 de abril de 2009

VIOLÊNCIA EXTRA E INTRAMUROS III



VIOLÊNCIA FÍSICA E VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

"A pesquisa que realizamos entre 1995 e 1996 na Região Metropolitana do Rio de Janeiro permite propor uma discussão sobre a relação entre violência física e violência psicológica, bem como sobre as possibilidades e os riscos efetivos de estados de anomia quando instituições como a escola, encarregadas da reprodução social e cultural, são penetradas, conquistadas e dominadas pelo crime organizado.
É esta uma das situações que desafia e ameaça a capacidade da escola em gerar e manter certo patamar de consenso, sem o qual um mínimo de ordem social torna-se impossível e a manifestação dos conflitos perde seus limites institucionais ou é negada pelo silêncio forçado de uma das partes. Os dados que apresentaremos revelam como a escola está tomada pela violência física extramuros, gerando dificuldades para que se produzam os efeitos esperados pelos teóricos do poder simbólico. Além disso, a violência psicológica suposta em qualquer atividade pedagógica precisa ser melhor delimitada para que não se confunda a socialização necessária ao viver em grupo com o esmagamento e o silenciamento daqueles que deveriam estar sendo formados para se tornarem sujeitos com capacidade de argumentação na defesa de seus pontos de vista e interesse.

Em que medida isso também acontece dentro do sistema escolar?

As imagens do aluno pobre e suas oportunidades educacionais são temas que mobilizam e dividem os educadores. Estudos sobre evasão, repetência e fracasso escolar (Patto, 1993), avaliação (Cruz, 1997; Lacueva,1997), ou sobre violência (Silva, 1999) registram informações importantes sobre como os alunos pobres são vistos e se relacionam com a escola. No texto de Patto (1993, p. 340) são apresentadas e criticadas as teorias do déficit e da diferença cultural, que, no entender da autora, precisam ser "revistas a partir dos mecanismos escolares produtores de dificuldades de aprendizagem". Em suas conclusões, Patto destaca que o sistema escolar produz obstáculos para a realização de seus próprios objetivos e administra o fracasso escolar por meio de um discurso que "naturaliza esse fracasso aos olhos de todos os envolvidos no processo" (idem, p. 346). O artigo de Lacueva sobre avaliação complementa as afirmações de Patto ao considerar o fracasso escolar como fruto de uma constelação de circunstâncias sociais e escolares:

"No es la escuela la que no há sabido ayudar al niño, no es el sistema social el que há negado oportunidades al niño, el culpable de su repetencia y/o deserción, por haber logrado superar estándares mínimos escolares. Mendel y Vogt (1978, p. 259) llegan a decir que la finalidad de la escuela en nuestra sociedad es precisamente fabricar el fracasso." (Lacueva, 1997, p. 2)

O artigo de Cruz sobre o desempenho escolar de crianças moradoras de favelas e cortiços no Ceará retrata bem os mecanismos de violência psicológica praticados pela escola contra o aluno pobre. A autora descreve os sentimentos e representações positivas que crianças de 1ª série manifestam quando da ida à escola, como "a esperança de lá aprender coisas importantes [...] e, dessa forma, num sê burro" (Cruz, 1997, p. 3), para depois confrontá-los com a realidade da escola, que faz com que esses alunos se sintam "praticamente incapazes de assimilar o que a escola deveria lhes ensinar" e os declara publicamente "sujos, desleixados ou mal comportados" (idem, p. 10). Segundo ela, isto revelaria o quadro no qual a escola produziria constantes ataques à auto-estima das crianças, que tendem a se ver em um ambiente hostil e de difícil convivência.

O artigo de Silva (1999, p. 3) também se reporta aos mecanismos sutis da violência na escola — quando o professor fala: "este aluno está ferrado comigo" —, mas articula o tema da violência na escola a outros tipos de violências (urbana, policial, familiar), que na sua visão estão imbricadas. Com base em pesquisa realizada no município de São Paulo sobre a percepção de alunos, professores e direção da escola a respeito da violência urbana e escolar, a autora destaca a violência veiculada pela mídia eletrônica: "Os alunos, de forma unânime, afirmaram que há uma tendência de as pessoas `copiarem' os programas da televisão, a ponto de determinadas atitudes virarem moda entre as crianças e os jovens." (idem, p. 2). Entre estas atitudes poderíamos destacar o etos guerreiro ou o etos da virilidade exibido constantemente nos chamados filmes enlatados e importados dos Estados Unidos, nos quais os heróis solitários e individualistas costumam resolver seus conflitos pela força bruta ou, ainda mais repetidamente, pelas armas moderníssimas de que dispõem.

O artigo de Islas e Cristerna (1997), que aborda a violência veiculada pela televisão mexicana e seus efeitos pedagógicos negativos, remete a uma pesquisa desenvolvida entre 1994 e 1997 por três universidades norte-americanas que concluiu que 60% dos programas de televisão tinham ao menos um incidente violento. Seus autores afirmam haver evidências empíricas, apoiadas em teorias sobre os efeitos de tal exposição, que revelam estar o público espectador vulnerável à aprendizagem de um repertório de comportamentos violentos para utilizar na vida real.
Contudo, a probabilidade de se aprender e imitar esses comportamentos aumentaria quando os atos violentos são praticados por personagens atraentes, quando não se castiga a conduta violenta e quando se trata a violência com humor ou glamour, revestindo os homens violentos de glória e fama (Zaluar, 1994a).

O estudo de Islas e Cristerna levou em conta esses resultados para analisar 30 programas da televisão mexicana de altos índices de audiência, transmitidos entre fevereiro e março de 1997. A unidade de análise foi a seqüência problemática, definida como uma série de imagens e sons que, em conjunto, constituem a representação de um eventopara uma situação com princípio, meio e fim próprios. A seqüência constituiu uma unidade temática ou de ação: nos programas jornalísticos ou documentários, a unidade temática era a entrevista ou reportagem; nos programas temáticos, a unidade de ação poderia ser, por exemplo, uma perseguição. Além disso, o estudo baseou-se em três tipos possíveis de violência, a saber: a violência narrada (narrativas de violências cometidas), a violência visual (atos de violência física) e os abusos verbais (uso de linguagem agressiva ou de ameaças). Os resultados da pesquisa revelaram que, nos 30 programas analisados, apareceram 130 seqüências violentas, em sua maioria visuais (58%), seguidas das narradas (31%).

Uma das conclusões dos autores é a de que a violência na televisão contribui para a aprendizagem ou a imitação de comportamentos violentos pela mera repetição ad nauseam deles. Essa última conclusão parece estar em contradição com a anterior, pois fundamenta-se teoricamente na teoria behaviourista que trata seres humanos como animais de laboratório que têm comportamentos mecanicamente reproduzidos em reações a estímulos exteriores. Não leva em conta a subjetividade e o comprometimento do simbólico, que sublinha os valores associados, explícita ou implicitamente, aos homens violentos.

Na Internet, há vários sites sobre a violência, principalmente as cometidas contra a mulher. Um deles repete o argumento conhecido de que situações violentas que ocorrem na escola "têm sua origem na família, no bairro ou nos meios de comunicação, de onde se transmitem modelos violentos que influem de forma decisiva". O referido texto trata especialmente da violência doméstica, predominante em famílias autoritárias, e da violência na vizinhança, seu entorno, ou seja, o "bairro empobrecido, desestruturado e com alto índice de delinqüência". Afirma que a escola, como parte da sociedade maior, tem uma capacidade limitada de contrastar com esses contextos sociais que a englobariam.

Comparando a prática de violência por meninos e meninas, apresenta dados que indicam que os meninos tendem a ser mais violentos: em 1995, segundo o informe espanhol "La cara oculta de la escuela", 7.594 meninos menores de 16 anos foram detidos na Espanha, em contraste com um total de 804 meninas na mesma faixa etária. O grupo responsável pelo site, Equipo Pardedos (1997), a despeito de reconhecer que os meios de comunicação têm cada vez mais força na formação de atitudes e modos de ver e analisar o mundo, reconhece, por outro lado, que os mestres têm tido a sua carga educativa aumentada e que, por esta razão, não podem se eximir de enfrentar o problema da violência. Assim sendo, a escola passa a ter papel importante na desconstrução do que pode vir a ser um círculo vicioso da violência, cujo contágio passaria de instituição para instituição na mesma vizinhança.

Os estudos apresentados, pelas suas lacunas e inconsistências, apontam para a importância de se pesquisar e de se compreender as atitudes e representações que a população pobre tem da educação e da violência, bem como as avaliações que essa população e os demais participantes do sistema educacional fazem da escola e da educação como instrumentos de formação de habitus necessários para a vida em sociedade.

Alguns recortes são imprescindíveis a fim de se dimensionar a importância da escolarização dos segmentos mais pobres, seja na transmissão de uma cultura cívica, isto é, na formação do etos de cidadão, seja na escolaridade exigida pela competição no mercado de trabalho, isto é, na qualificação do trabalhador. Um deles refere-se à existência ou ausência de relações entre a pedagogia das famílias pobres e a pedagogia da escola a fim de entender em que medida a tensão entre essas pedagogias é um fator inibidor de expectativas de ascensão social. Mas hoje temos um problema sobressalente: o fato de que, a concorrer com a escola e com a família, muitas vezes em completa oposição aos preceitos e valores delas, outra agência socializadora vem disputar um lugar nesse campo de forças — a rua, onde imperam as quadrilhas do crime organizado (Zaluar, 1985, 1994 e 1996). No mundo de hoje, o crime organizado representa uma instância de poder que não pode mais ser ignorada, instituindo relações de força em que a coerção e a violência físicas sobrepujam de muito a psicológica, embora também a exerça através do medo, se não do terror que impõe sobre os moradores dos bairros e favelas que domina pelo seu arsenal de armas de fogo. Em que medida essa presença afeta as relações entre mestres e alunos dentro da escola ou entre os alunos e a instituição escolar?"

(Fonte: Alba Zaluar e Maria Cristina Leal)

Nenhum comentário:

Postar um comentário