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domingo, 21 de fevereiro de 2010

VIOLÊNCIA REPÕE LUTA DE CLASSES NO CENTRO DO DEBATE DA ESQUERDA

"O título da mesa, em mais uma das atividades do FSM Temático da Bahia, neste domingo (31/01), era "Violência nas periferias urbanas e ameaça à democracia", mas unanimemente, entre palestrantes e participantes, o centro do debate deveria ser a militarização e a violência do Estado nas periferias. A explicação é simples: ao contrário do que propagandeiam os meios de comunicação, os grupos dominantes e os responsáveis pelas políticas de segurança pública no país, o principal responsável pela violência que atinge a imensa maioria das periferias brasileiras não é o crime organizado, e sim o próprio Estado brasileiro.

"A violência de hoje das regiões metropolitanas é sintoma das condições em que vivem os trabalhadores e trabalhadoras nessas áreas. Faltam empregos, urbanização, equipamentos sociais, educação e espaços de convívio social. As pessoas vivem sem acesso aos direitos básicos à sobrevivência humana e, assim, se tornam reféns desta situação, sendo levadas à marginalidade. As áreas dominadas pelo tráfico e pelo crime organizado são aquelas onde o poder público não se faz presente", explica Bartíria Lima da Costa, presidente da CONAM (Confederação Nacional das Associações de Moradores).

Neste contexto, a resposta do Estado à criminalidade crescente nas periferias não tem sido responder as suas causas estruturais, e sim promover uma intervenção com base na presença da polícia militar. Em muitas regiões, a polícia é a principal ou única presença do Estado nas periferias.

"Isso parte da criminalização da pobreza. No Uruguai, Argentina, Chile há muitas políticas sociais para a periferia, mas uma boa parte delas são formas de disciplinamento dos pobres", acredita o escritor e ativista uruguaio Raul Zibechi. "A ameaça à democracia, na verdade, vem da suposta resposta que o Estado, apoiado por um setor da sociedade e pela mídia, dá a essa questão da violência: é uma resposta militar, violenta e policial. Tanto que organizações internacionais de direitos humanos já disseram que a polícia brasileira é a que mais mata no mundo. Essa é uma subversão completa da democracia", critica o carioca Maurício Campos, da Rede Contra a Violência.

Somente em 2008, 2.340 pessoas foram mortas em Salvador e região metropolitana, das quais 60% tinham em seu atestado o auto de resistência da polícia militar. De acordo com a coordenação da campanha "Reaja ou será morta, reaja ou será morto", o modelo de segurança pública no estado da Bahia não se alterou na gestão atual. "Exigimos a demissão do secretário de segurança pública, César Nunes. Esses números são uma aberração que precisamos bradar pelo país. E este cortejo de defuntos que está atrás de nós nos convida a isso: a reagir", afirma Hamilton Borges. "Se quisermos sobreviver, precisamos politizar a nossa morte, senão ela passará despercebida. Não somos reféns do medo veiculado pela mídia. Todos os dias somos ameaçados e podemos morrer. Mas o medo não nos neutraliza", completa.

E se num momento havia a necessidade de um discurso de ataque aos negros e pobres nas periferias, por parte da elite conservadora, agora ele não é mais necessário, analisa a jornalista Suzana Varjão, do Movimento Estado de Paz, que articula comunicadores em torno do debate sobre o tema, e integrante do grupo gestor do Fórum Comunitário de Combate à Violência. Agora, o pensamento está embutido no próprio discurso da imprensa, em diálogo com os interesses das classes dominantes.

Mesmo a violência dos grupos criminosos, que representa um problema sério para as periferias, foi apontada no debate como resultante de uma ação estatal secundada pela classe dominante e pelo setor empresarial: o tráfico internacional e comércio global de armas. Na avaliação de Maurício Campos, a legislação internacional - imposta pelos Estados Unidos e que vigora em todo o mundo, materializada em convenções entre os países - que proíbe a comercialização de todas as drogas, incluindo as que sequer foram desenvolvidas, e, por outro lado, libera totalmente a produção de armas, sem controle dos Estados, criou um cenário propício para a proliferação de grupos armados nas periferias.

"A legislação absoluta conta o comércio de drogas tornou esta indústria extremamente lucrativa e seu combate via repressão tem gerado uma violência enorme. Isso somado à ausência de controle da venda de armas, por uma ação consciente do sistema interestatal, tem levado a uma situação caótica nas periferias", afirma Campos.

Como pano de fundo desta fórmula mortífera, o crescimento do capitalismo financeiro que, também sem controle dos Estados, permite à indústria da droga esconder seus lucros no sistema monetário internacional, via remessa de dinheiro aos paraísos fiscais.

Território revolucionário

Para Maurício Campo, esta situação permite ao Estado e às classes dominantes manter uma guerra permanente e progressiva contra o povo, utilizando a política de segurança pública como uma forma de elitização das cidades. "Se não percebemos isso, faremos políticas pontuais que não resolverão um problema que é global. Temos que encarar a luta do ponto de vista imperialista. Trata-se aqui de discutir projetos diferentes de organização da sociedade. A violência recoloca a questão da luta de classes, de varrer o que ainda existe de racismo e colonialismo, no centro da nossa reflexão", afirma.

Se há um aspecto positivo nisso tudo é que a violência dos grupos criminosos e do aparato estatal tem transformado as periferias em territórios de resistência, provocada pelo sentimento de injustiça social e indignação que todas essas populações cotidianamente. Foi isso o que demonstraram os fatos acontecidos em Caracas, na Venezuela, em 1999 ou em Santa Cruz, na Bolívia, em 2008.

"Ali, onde vivem as pessoas que não têm nada a perder, há o único movimento potencialmente anti-sistêmico, e a esquerda precisa compreender esse território a partir de uma análise diferente da que fazem a mídia e as elites. Se compreendermos porque os meninos das periferias entram em relação com o crime, saberemos que buscam, não racionalmente, um pouco de dinheiro, um pouco de sucesso, mas buscam também auto-estima, autonomia, não só financeira, mas pessoal, e buscam poder", analisa Zibechi.

"Se não formos capazes de mostrar para eles outro pensamento, não vamos mudar essa realidade. E fazer isso significa a retomada, pelos movimentos, da luta pela mudança e pela revolução. Para esses meninos, a luta revolucionaria será uma alternativa, um caminho diferente da militarização, que retomará a utopia real da revolução. Muitos ficarão com o crime, mas muitos virão conosco", acredita o escritor uruguaio.

"Isso não nos impede de atuar aqui e agora, e operar localmente para combater a violência. Mas a necessidade é a de demolir este modelo de Estado. A perspectiva ainda é a de outro Estado, outro modelo de nação. No capitalismo, nenhum sonho é possível", conclui Hamilton Borges."

(Fonte: Bia Barbosa - Carta Capital; Segurança Pessoal e Direitos Humanos da Fundação Lauro Campos. Via e-mail da Fundação Lauro Campos)

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