“Peço licença para algumas coisas.
Primeiramente para desfraldar este canto de amor publicamente.
Sucede que só sei dizer amor
quando reparto o ramo azul de estrelas
que em meu peito floresce de menino.
Peço licença para soletrar,
no alfabeto do sol pernambucano,
a palavra ti-jo‑lo, por exemplo,
e poder ver que dentro dela vivem
paredes, aconchegos e janelas
e descobrir que todos os fonemas
são mágicos sinais que vão se abrindo,
constelações de girassóis girando
em círculos de amor que de repente
estalam como flor no chão da casa
às vezes não há casa: é só chão.
Mas sobre o chão quem reina agora é um homem diferente
que acaba de nascer
porque unindo palavras
aos poucos vai unindo
argila e orvalho, tristeza e pão, cambão e beija‑flor
e acaba por unir a própria vida
no seu peito partida e repartida
quando afinal descobre num clarão
que o mundo é seu também, que o seu trabalho
não é a pena que paga por ser homem
mas um modo de amar ‑‑ e de ajudar
o mundo a ser melhor.
Peço licença para avisar que, ao gosto de Jesus,
este homem renascido é um homem novo:
ele atravessa os campos espalhando
a boa nova, e chama os companheiros
a pelejar no limpo, fronte a fronte,
contra o bicho de quatrocentos anos
mas cujo fel espesso não resiste
a quarenta horas de total ternura.
Peço licença para terminar soletrando a canção de rebeldia
que existe nos fonemas da alegria:
canção de amor geral que eu vi crescer
nos olhos do homem que aprendeu a ler.”
(Fonte: Thiago de Melo)
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