O governador Sérgio Cabral e o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, se orgulham de ter conseguido acabar com a influência de parlamentares na nomeação de delegados e comandantes de batalhão no Estado do Rio de Janeiro. De fato, a influência política na polícia é uma das principais raízes da corrupção e do favorecimento no sistema policial. Um determinado político colocava seu protegido no comando de um quartel da PM ou de uma delegacia e esse policial passava a prestar contas ao padrinho. Muitos policiais em postos de chefia acabavam sendo obrigados a bancar até a caixinha de campanha dos políticos. E de onde vinha esse dinheiro? Obviamente das propinas das máfias e quadrilhas que atuam nos mais diversos setores - da contravenção ao tráfico de drogas, passando por outras atividades ilegais como pirataria, exploração da prostituição, de clínicas de aborto etc etc.
Com o secretário Beltrame, o governo conseguiu aos poucos reduzir bastante essa influência política na polícia, diminuindo a corrupção no andar de cima, da segurança pública. Só que, apesar de todo o esforço do governo, foi deixada uma janela, por onde agora vemos a polícia novamente mergulhada em escândalos de corrupção: o uso de PMs em delegacias especializadas, os chamados adidos da Polícia Civil. Esses policiais conseguem escapar do regime militar dos quartéis e aderem à rotina das delegacias especializadas, sem horário fixo, uso de uniforme e respondendo diretamente aos delegados ou inspetores designados pelos seus superiores. Como são arrojados e destemidos, esses PMs adidos conseguem recrutar informantes e X-9 dentro das quadrilhas. Esses contatos são fundamentais para o trabalho de polícia só que é praticamente impossível sair limpo de uma relação dessas. Esses PMs circulam com facilidade entre os criminosos que acabam se tornando seus clientes na compra de armas e drogas desviadas da própria polícia.
Certamente por conhecerem mal os meandros das organizações policiais no Rio, os integrantes da cúpula da Secretaria de Segurança não se deram conta de que os adidos eram uma bomba relógio controlada por policiais em posições de comando da Polícia Civil. Só depois que a Polícia Federal informou ao secretário de Segurança o que estava acontecendo dentro da Polícia Civil é que Beltrame determinou há cerca de 3 meses que todos os 50 PMs adidos fossem devolvidos à sua corporação. Desses, 15 ainda foram preservados por influência da cúpula da Polícia Civil pelos "relevantes serviços prestados" desde meados da década de 90. Esses policiais eram fiéis escudeiros, prontos para matar e morrer, mas que mantinham seus negócios excusos sem qualquer interferência dos delegados.
Quando esses fatos vieram à tona azedou a relação entre o secretário Beltrame e o chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski, que construiu sua excelente carreira com o trabalho de muitos desses PMs adidos que foram presos na Operação Guilhotina, da Polícia Federal. Quando Allan assumiu o comando da Polícia Civil, esses policiais passaram a ficar sob controle do subchefe operacional de Allan, Carlos Oliveira, que também foi preso, acusado de corrupção. Allan é um policial talentoso e bem remunerado por seus trabalhos de consultoria de segurança privada. Não me parece que precise receber propinas para manter seu padrão de vida. Acredito no seu empenho para combater o crime, no Rio. Mas o sistema de PMs adidos está falido. Esse modelo é uma herança do regime militar com seus DOI-CODI, os Destacamentos de Operações de Informação, que recrutavam militares, policiais civis e PMs, além de bombeiros e outros integrantes de órgãos de segurança. Como lembram, os DOI eram os porões do regime militar, nos quais se cometeu todo tipo de barbárie.
O que a sociedade precisa entender é que o mesmo bravo policial que é condecorado por ter assassinado impiedosamente bandidos pode resvalar para uma prática violenta que, em pouco, tempo estará envolvida com a corrupção. Assim como o clientelismo na política, a violência é prima-irmã da corrupção na polícia. Os mais antigos lembram da saga dos homens de ouro, o grupo de elite criado no fim da década de 60, no Rio. O policial que se acha investido do direito de matar - sobretudo em autos de resistência forjados - acaba acreditando que não nada há demais em se apossar dos despojos de guerra - como ocorreu no Complexo do Alemão. Dali para a extorsão de criminosos e cidadãos é um pulo. Talvez por não exigir dos governantes uma reforma profunda na polícia - que inclui melhor qualificação e melhores salários - a sociedade pode fechar os olhos para tudo de errado que os policiais fazem. Só que uma hora é ela mesmo quem vai pagar a conta.
(Fonte: Jorge Antônio Barros - O Globo)
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