O Rio e, por extensão, o Brasil viveram um hiato de tolerância ao crime que perdurou por quase três décadas delimitadas por dois símbolos. Um destes símbolos pôde ser aplaudido ontem: o hasteamento das bandeiras do Brasil e do Estado do Rio no topo do enclave do Alemão, a ex-república livre do tráfico carioca. O gesto materializou uma vitória da sociedade sobre os criminosos. Foi um momento de virada, tanto quanto a bandeira dos EUA hasteada no topo do Monte Suribachi, na ilha de Iwo Jima, em 1945, representou o instante no qual a maré da guerra se virou decisivamente contra o Japão.
O outro símbolo deste hiato, aquele que marcou o início da rendição ao crime, pode ser identificado há 29 anos, o momento em que morar no Rio deixou de ser o sonho dos brasileiros para se transformar em risco de vida. Em 1981, no fim do regime militar, a Secretaria da Segurança do Rio era ocupada pelo general Waldyr Munis, que nomeara um coronel do Exército, Nilton de Albuquerque Cerqueira, para o comando da PM. Oficial que liderara em 1971 a caça ao guerrilheiro Carlos Lamarca, Cerqueira fez o que se esperava dele: começou a punir policiais corruptos e a prender às mancheias os fora-da-lei, bicheiros e traficantes, inclusive.
Incomodados, os bicheiros pressionaram o governo do Estado. O presidente-general João Figueiredo, que avalizara Cerqueira, concordou com sua destituição. Ativistas de esquerda, que execravam Cerqueira pela morte de Lamarca, celebraram a demissão. Nascia ali a conjunção que levaria à explosão da criminalidade. Vistas grossas para a contravenção e o tráfico, rejeição ao poder repressivo, sobretudo o fardado, e a associação de políticos com criminosos se somaram ao glamour com que o consumo de drogas e a delinquência passaram a ser encarados pela Zona Sul para formar o coquetel do desastre.
Dali em diante, naquele início da década de 80, abriram-se as comportas do inferno para os cariocas. O populismo legado pelo governador Chagas Freitas e irrigado pelo governo de Leonel Brizola fez do Rio a cidade maravilhosa da delinquência: policiais foram proibidos de subir os morros e a corrupção se espalhou como um câncer a corroer o sistema de segurança fluminense. O tráfico assumiu um poder paralelo no Estado.
A demissão de Cerqueira tinha sido um sinal claro: havia limites para o combate ao crime no Rio e quem o ultrapassasse teria sua cabeça a prêmio. Já general da reserva, Cerqueira retornaria ao governo quase 15 anos depois, como secretário da Segurança, mas seus métodos militares já não faziam efeito: o crime tinha ganhado raízes tão profundas que não bastavam blitze nas avenidas e intervenções esporádicas e violentas nas favelas. Era preciso outra estratégia.
Para que caveirões subindo morros e bandeiras hasteadas por policiais fossem aplaudidos, houve uma combinação de novos ingredientes, a começar pelo fato de os governos federal e estadual terem afinal se dado conta de que repressão ao crime não é uma ação autoritária, mas uma imposição da democracia, e que a vitória dos homens de bem contra os bandidos é um manancial de votos bem mais generoso que o apoio eleitoral de contraventores. O resultado concreto desta convicção foram as UPPs, unidades de polícia pacificadora, uma excepcional iniciativa que só poderia dar certo se o populismo e a tolerância ao crime caíssem em desgraça.
Não deve se desprezar, porém, três outros fatores simbólicos para o Rio se insurgir contra a criminalidade e fazer desta a semana em que o Brasil, assim como domou a inflação, passou a crer que também pode reverter a criminalidade. Os dois fatores mais visíveis são a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O país e, em especial, o Rio têm a meta de não envergonhar gerações e gerações de brasileiros e, do mesmo modo que uma empresa em dificuldades, se uniu em torno de um objetivo na busca da salvação. Varrer o poder paralelo do crime, e fazer as coisas entrarem nos eixos, serão os maiores legados possíveis da Copa e dos Jogos Olimpícos. O terceiro fator está nas forças liberadas por um filme e sua sequência: a torcida escancarada dos brasileiros de todas as classes pelo capitão Nascimento deixou claro o fim da era populista e o início de um tempo em que os homens de bem não têm mais vergonha de proclamarem de que lado estão. O purgatório finalmente está chegando ao fim.
(Fonte: Marcelo Rech - Via e-mail do Gen Freire)
O outro símbolo deste hiato, aquele que marcou o início da rendição ao crime, pode ser identificado há 29 anos, o momento em que morar no Rio deixou de ser o sonho dos brasileiros para se transformar em risco de vida. Em 1981, no fim do regime militar, a Secretaria da Segurança do Rio era ocupada pelo general Waldyr Munis, que nomeara um coronel do Exército, Nilton de Albuquerque Cerqueira, para o comando da PM. Oficial que liderara em 1971 a caça ao guerrilheiro Carlos Lamarca, Cerqueira fez o que se esperava dele: começou a punir policiais corruptos e a prender às mancheias os fora-da-lei, bicheiros e traficantes, inclusive.
Incomodados, os bicheiros pressionaram o governo do Estado. O presidente-general João Figueiredo, que avalizara Cerqueira, concordou com sua destituição. Ativistas de esquerda, que execravam Cerqueira pela morte de Lamarca, celebraram a demissão. Nascia ali a conjunção que levaria à explosão da criminalidade. Vistas grossas para a contravenção e o tráfico, rejeição ao poder repressivo, sobretudo o fardado, e a associação de políticos com criminosos se somaram ao glamour com que o consumo de drogas e a delinquência passaram a ser encarados pela Zona Sul para formar o coquetel do desastre.
Dali em diante, naquele início da década de 80, abriram-se as comportas do inferno para os cariocas. O populismo legado pelo governador Chagas Freitas e irrigado pelo governo de Leonel Brizola fez do Rio a cidade maravilhosa da delinquência: policiais foram proibidos de subir os morros e a corrupção se espalhou como um câncer a corroer o sistema de segurança fluminense. O tráfico assumiu um poder paralelo no Estado.
A demissão de Cerqueira tinha sido um sinal claro: havia limites para o combate ao crime no Rio e quem o ultrapassasse teria sua cabeça a prêmio. Já general da reserva, Cerqueira retornaria ao governo quase 15 anos depois, como secretário da Segurança, mas seus métodos militares já não faziam efeito: o crime tinha ganhado raízes tão profundas que não bastavam blitze nas avenidas e intervenções esporádicas e violentas nas favelas. Era preciso outra estratégia.
Para que caveirões subindo morros e bandeiras hasteadas por policiais fossem aplaudidos, houve uma combinação de novos ingredientes, a começar pelo fato de os governos federal e estadual terem afinal se dado conta de que repressão ao crime não é uma ação autoritária, mas uma imposição da democracia, e que a vitória dos homens de bem contra os bandidos é um manancial de votos bem mais generoso que o apoio eleitoral de contraventores. O resultado concreto desta convicção foram as UPPs, unidades de polícia pacificadora, uma excepcional iniciativa que só poderia dar certo se o populismo e a tolerância ao crime caíssem em desgraça.
Não deve se desprezar, porém, três outros fatores simbólicos para o Rio se insurgir contra a criminalidade e fazer desta a semana em que o Brasil, assim como domou a inflação, passou a crer que também pode reverter a criminalidade. Os dois fatores mais visíveis são a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O país e, em especial, o Rio têm a meta de não envergonhar gerações e gerações de brasileiros e, do mesmo modo que uma empresa em dificuldades, se uniu em torno de um objetivo na busca da salvação. Varrer o poder paralelo do crime, e fazer as coisas entrarem nos eixos, serão os maiores legados possíveis da Copa e dos Jogos Olimpícos. O terceiro fator está nas forças liberadas por um filme e sua sequência: a torcida escancarada dos brasileiros de todas as classes pelo capitão Nascimento deixou claro o fim da era populista e o início de um tempo em que os homens de bem não têm mais vergonha de proclamarem de que lado estão. O purgatório finalmente está chegando ao fim.
(Fonte: Marcelo Rech - Via e-mail do Gen Freire)
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