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terça-feira, 5 de outubro de 2010

ELEIÇÕES

"No Dicionário de Ambrose Bierce, o satírico jornalista americano nascido no século XIX, define o eleitor como alguém que tem o privilégio de votar numa pessoa escolhida por outra. A reflexão tem humor, o que também quer dizer que é verdadeira. Sabemos que é assim, com pitadas de graça e azedume, que se arma o teatro da democracia. Os protagonistas desse espetáculo não somos apenas nós, os eleitores, nem os próprios candidatos, mas os patrocinadores do evento. E são esses os que desfilam como donos da festa e que escolhem as músicas que devemos dançar. É o que temos nas eleições deste domingo, ainda mais do que nas anteriores.

Em tempo de eleição, me lembro do meu pai. Ele tinha seus candidatos preferidos, claro, como todo mundo, mas não se revoltava com as derrotas. Dizia: “Não discuto com as urnas”. Acatava respeitosamente os que elas indicavam como vencedores, fossem eles quais fossem. Não era um conformista, mas um homem que jogava o jogo democrático com lealdade. Me lembro de alguns de seus escolhidos, como o brigadeiro Eduardo Gomes, na eleição de 1950, perdida para Getúlio Vargas, que voltava ao poder. Me lembro da alegria com que ele comemorou a vitória de Juscelino, o JK, em 1955, e a do Jânio, em 1960, mas também não posso me esquecer da decepção que demonstrou com a renúncia desse último, alguns meses depois de assumir. A partir de 1964, com o apagão da democracia, meu pai sofreu — como muitos de nós — por vinte anos, até as Diretas Já. Antes que ele comemorasse a vitória tão desejada e esperada, a morte de Tancredo Neves e a inevitável substituição por José Sarney provocaram novas amarguras no meu velho pai. Em 1989, com quase 90 anos, ele ainda fez questão de votar. Nós, seus filhos, tentamos convencê-lo a dar seu voto ao Lula, mas não conseguimos. Sabendo que seria aquela — muito provavelmente — a última eleição da qual participaria, votou em Mário Covas, a quem admirava, mesmo sabendo que não o elegeria. A morte poupou meu pai do espetáculo vergonhoso que se seguiu até o impeachment, já que ele nos deixou em 1990, dois meses depois da posse de Collor.

Tenho certeza de que meu pai, se vivo fosse, votaria em José Serra nas eleições. Ele sempre privilegiava a experiência.

Sempre que surgem no horizonte ameaças — mesmo veladas — de autoritarismo e coisas tais, todas inadmissíveis numa democracia, eu me lembro do meu amigo Eduardo Alves da Costa, poeta russo nascido em Niterói, autor do poema No Caminho com Maiakovski. Trata-se, sem nenhuma dúvida, de uma das mais emblemáticas obras poéticas da literatura brasileira, e que nos anos 60 teve alguns dos seus versos estampados em camisetas coloridas de jovens inconformados com a situação então reinante. Pois é. Com as ameaças mal disfarçadas que vejo hoje pipocando aqui e ali, ensaiando uma nova censura, o poema do Eduardo reaparece na minha memória, como um alerta. Deixo aqui alguns dos seus versos para a reflexão dos (e)leitores:

Na primeira noite eles se aproximam,
roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo o nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não dizemos nada."

( Fonte: Manoel Carlos - Via e-mail da Regina)

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