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segunda-feira, 17 de maio de 2010

A GENTE NÃO QUER SÓ POLÍCIA, MEU CAMARADA...

"As UPPs, Unidades de Polícia Pacificadora, implantadas em algumas comunidades do Rio, vêm sendo alvo de muitos aplausos por parte da opinião publicada e da população. Diga-se de passagem: a imensa maioria dos moradores de comunidades "aquinhoadas" e, mesmo aqueles cidadãos residentes nas favelas ainda não atingidas, apóiam essa mais nova descoberta de Cabral.

A pretexto de inibir o varejão do tráfico - armado e ilícito - de entorpecentes, um arremedo de operação de guerra vem sendo engendrado. O combate à causa, às raízes dessa problemática, por motivos irreveláveis, continua num plano secundário. Se é que algum plano existe. Armas e entorpecentes passeiam por nossas fronteiras, certamente contando com uma "diversidade unificada" de políticas facilitadoras. A ingerência da politicagem no aparato da segurança pública, a corrupção sistêmica e o despreparo dos agentes são de conhecimento geral. As horrendas condições de trabalho e a péssima remuneração de nossos policiais também nos dão algumas pistas para desnudarmos essa questão. Junte-se aí a substituição do indispensável - mas "escanteado" - uso da inteligência pela truculência.

O que há nas favelas, não se deve negar, é a ponta visível e "mais violenta" desse mega negócio transnacional. Onde meros proletários, engrenagens descartáveis dessa poderosa usina, cuidam, com zelosa e inconsciente subalternidade, da mais-valia do narco-capital. Por essas e outras e, como historicamente acontece, fica economicamente cômodo, é claro, criminalizar a pobreza. Atacar a banda mais vulnerável, fulminando o inimigo e varrendo o gentio para as periferias - danem-se os "efeitos colaterais". É a mão pesada e calejada do Estado arcaico, meramente policialesco.

Enquanto isso, os intocáveis desse baronato - esses sim -, os verdadeiros traficantes, limitam-se a mover e remover as peças do tabuleiro. Vide os serviços "delivery" implementados com extraordinário sucesso para as camadas médias e altas da sociedade, origem de boa parte de seus dividendos. Na outra ponta, diversificam seus investimentos, migrando. Tal qual fizeram os contraventores: do Bicho, aos Caça-Níqueis. Do Leme ao Pontal, pausando para um Recreio na Barra, eles aguardam... enquanto as coisas se ajeitam.

Pois bem... antes que algum incauto lance mão daquela velha e simplista interpelação: "então é melhor conviver com a bandidagem? ", rebato, de pronto: "claro que não!" Evidente que ninguém deseja viver sob o jugo nefasto do "tráfico", tampouco quer fazer o jogo escabroso desses tiranetes. Da mesma forma, cidadão algum - notadamente o morador de favela - merece ser achacado e barbarizado por maus policiais. Homens de preto, gente como nós, mas adestrados para reprimir e humilhar pobres e negros, gente como eles. Sobretudo quando esses agentes públicos travestem-se em milicianos e, da mesma forma, subjugam essas populações. Este sim, o verdadeiro poder paralelo. Por estar incrustado no aparelho estatal e por contar com a conivência, ora menos explicitada, de certas autoridades. Que prendam, julguem e condenem os que vivem à margem da lei. Dentro da lei.

Todavia, o nó górdio incide na resistência do Estado em prover políticas públicas consistentes e continuadas a essas populações. As UPPs são um plano incipiente de policiamento militarizado, não um projeto de segurança pública que, necessariamente, depende de diversos outros elementos garantidores de uma cultura de direitos. UPPs, para as "maiorias", são como UPAs, para as "minorias". Funcionam como uma espécie de amortecedor, adormecedor de consciências. Um placebo de Lexotan de efeito instantâneo, mas imaginário. Não cura, pelo contrário, amplia o problema e retarda possíveis soluções.

O que tem uma coisa a ver com a outra? É que, sempre que se fala em violência, em falta de segurança, em marginalidade, toda vez que esse assunto é videotizado, cai nos ouvidos e salta aos olhos, sobra sempre para os sobrantes. Aí, o que se quer invisível e distante, torna-se real e palpável. Pra muita gente boa, favela é "quinem" o "caviar" do Zeca Pagodinho: "nunca vi, nem comi. Eu só ouço falar"!

Vive-se um eterno porvir. - "Agora entra a polícia, é uma questão emergencial, as coisas passaram dos limites. Vocês se livrarão dos bandidos, mas, podem aguardar, depois virão as"...

Depois a galinha pôs, cara pálida! É sempre assim! É como salário de aposentado: "somos a favor, sabemos, tá baixo, mas, se aumentar agora, quebra a Previdência". Pimenta no dos outros é refresco. Para os que estão "de fora", é mole! Além de não ouvirem mais os odiosos estampidos que, para alguns, só incomodam os debaixo, terão sua propriedade e negócios valorizados. Também tem esse lado. É justo, mas...

Que, ao invés de suscitar remoções tendenciosas, inventando áreas de risco, para transformá-las em áreas de ricos. Que, ao contrário de construir vergonhosos e milionários muros, e maquiadas fachadas, venha um policiamento comunitário, respeitoso, solidário e preparado. E, de quebra, venham os postos de saúde, as escolas, o esgotamento sanitário, a água encanada, limpa e constante, a limpeza urbana, a iluminação digna, a acessibilidade, as creches comunitárias, a legalização fundiária, o título definitivo de propriedade. Que se tracem metas e se destinem verbas para a construção de casas populares e verifique-se a possibilidade real da ocupação dos imóveis "abandonados" (só no Centro seriam dez mil). Que venham melhores oportunidades. Integre-se, mantidas as peculiaridades, a favela à cidade. Que cheguem os empregos, oportunidades de trabalho, renda e vida. O resto, tal qual os "de baixo", os "de cima" levam na chinfra.

É isso... Que as descobertas eleitorais de Cabral não encubram nossos olhos com sua hipocrisia. Não turvem nossa razão, tantas vezes egocentricamente equivocada. Pode não parecer, mas estamos todos no mesmo barco. E, para alcançarmos o porto seguro nessa, ainda nossa, terra brasilis do grande Maia, só nos resta filosofar: "nós não precisamos de muita coisa. Só precisamos uns dos outros". Valeu..."

(Fonte: Ricardo Crô, da Associação dos Moradores do Trapicheiro, Rio de Janeiro - RJ. Via e-mail da Fundação Lauro Campos)

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