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segunda-feira, 30 de março de 2009

VIOLÊNCIA EXTRA E INTRAMUROS I


INTRODUÇÃO

O relatório sobre o desenvolvimento humano no Brasil de 1996 apresenta dados importantes sobre a relação entre desenvolvimento humano, educação e violência. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), construído a partir de indicadores de educação (alfabetização e taxa da matrícula), saúde (esperança de vida ao nascer) e renda (PIB percapita), mede a qualidade de vida dos países e estabelece uma estratificação entre eles.

Neste último relatório, o Brasil ocupa a 79a posição, passando da condição de país de alto desenvolvimento para país de desenvolvimento médio. O fator que impediu uma queda ainda maior foi a melhoria dos dados educacionais: pequena redução do analfabetismo (de 16,7% para 16% da população) e aumento da taxa de matrícula (de 72% para 80% da população em idade escolar). Com isso, o índice de educação cresceu de 0,81 para 0,83. O índice de saúde, no entanto, piorou: a expectativa de vida da população brasileira praticamente não oscilou (variou de 66,6 para 66,8) entre 1995 e 1997.

O aumento de mortes violentas entre jovens, combinado à ainda alta mortalidade das doenças típicas de países ricos (doenças do aparelho circulatório e neoplasias), constitui um dos principais fatores responsáveis pela ainda baixa expectativa de vida apresentada.

Os dados do IBGE/INEP1 são mais otimistas: para a população de 15 anos e mais, a taxa de analfabetismo teria caído de 20,1% em 1991 para 15,6% em 1995; na população urbana a queda teria sido de 14,2% para 11,4%. Na faixa entre 15 e 19 anos essa taxa caiu ainda mais notavelmente, de 12,1% (1.810.236 jovens) para 6,8% (1.077.149 jovens), menos na população urbana dessa faixa, cuja taxa caiu de 6,8% para 4%, ou seja, de 756.558 para 505.520 jovens analfabetos. As taxas de aprovação no ensino fundamental, por sua vez, subiram de 60,6% para 68,4%, à exceção da 1a série, onde permaneceu em torno de 56%. Entre 1990 e 1995 o número de concluintes teria subido 61,9%.

Já os dados do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde, mostram uma tendência de alta acentuada de mortes violentas (homicídios, suicídios e acidentes) de jovens a partir de meados dos anos 80, especialmente nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Se em São Paulo a probabilidade de mortes violentas atinge principalmente os grupos entre 20 e 29 anos, no Rio de Janeiro a faixa etária mais ameaçada é a de 15 a 19 anos.

O crescimento da violência no país como um todo pode ser dimensionado por meio dos dados de mortalidade levantados em algumas das principais capitais brasileiras pelo Centro Nacional de Epidemiologia, da Fundação Nacional de Saúde. Segundo este levantamento, num período de quatro anos, de 1994 a 1998, a taxa de mortalidade por assassinato2 cresceu assustadoramente em Recife (de 43,35 para 81,50) e significativamente também em São Paulo (de 45,35 para 59,27), no Rio de Janeiro (de 30,64 para 62,66), em Manaus (de 32,16 para 40,02) e em Porto Alegre (de 18,15 para 23,35). Este quadro com certeza é ainda mais grave, visto que os dados do SIM levam em conta apenas o atestado de óbito assinado pelo médico, que, muitas vezes, diante da dúvida (devido à falta de equipamento técnico e de investigação policial) e dos comprometimentos judiciais a que se submete, prefere atestar causas indeterminadas da morte em vez de homicídios, especialmente nas regiões metropolitanas invadidas pelo crime-negócio (Zaluar, 1999).

Segundo a mesma fonte — o SIM —, a taxa de mortes violentas provocadas por armas de fogo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro subiu de 59 (por 100 mil habitantes) em 1980 para 184 em 1995 na faixa de idade de 15 a 19 anos; na faixa dos 20 a 24 anos, aumentou de 111 para 276 — taxa maior do que a encontrada entre os negros norte-americanos da mesma idade.

O crescimento das mortes violentas no Brasil como um todo no decorrer da década de 1980 (de 9% para 12% do total de mortes) coloca o país no mesmo patamar da Venezuela, México e Panamá. Os índices brasileiros já são o dobro dos registrados nos Estados Unidos. Destas mortes violentas, em torno de 55% são homicídios. É na Região Sudeste que as mortes violentas ou por causas externas atingem o coeficiente mais alto do país entre os jovens do sexo masculino, mantendo um aumento notável, desde 1980, nas faixas etárias de 15 a 19 anos (de 110,7 em 1980 para 170,6 em 1995) e de 20 a 24 anos (de 177,4 em 1980 para 269 em 1995).

O Estado do Rio de Janeiro registra as taxas mais altas da região: na faixa entre 15 e 19 anos a taxa cresce de 158,3 em 1980 para 275,4 em 1995; entre 20 e 24 anos, vai de 265,2 em 1980 para 415,7 em 1995,3 números mais elevados que os dos negros norte-americanos na mesma faixa de idade.

Também no Brasil são as armas de fogo que fazem o maior estrago. Segundo os dados do SIM, entre 1980 e 1995 a taxa de homicídios por armas de fogo no país como um todo subiu de 10 (por 100 mil habitantes) para 38,18 entre os homens de 15 a 19 anos e de 21,66 para 63,68 entre os homens de 20 a 24 anos. Trata-se, basicamente, de um fenômeno masculino, apesar do aumento significativo também no número de mulheres vítimas deste tipo de homicídio (5% ao ano).

Após um crescimento sistemático entre os anos de 1980 e 1995, a mortalidade masculina tornou-se 16 vezes superior à mortalidade feminina no grupo etário dos 20 aos 24 (Szwarcwald e Leal, 1998). Observa-se ainda que este é um fenômeno sobretudo da Região Sudeste: 60% dessas mortes ocorreram na região, 25% somente na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Em 1995, a mortalidade por armas de fogo no Estado do Rio de Janeiro atingiu coeficientes impressionantes: 183,6 para os homens entre 15 e 19 anos e 275,8 para homens de 20 a 24 anos.

Esse aumento de mortes violentas não pode ser atribuído a "causas" determinantes, mas sim à interação de diversos aspectos que contribuem, na sua sinergia, para estimular a violência, principalmente entre os jovens. Os estudos de Zaluar (1994a, 1998b e 1999) analisam essa interação que envolve o funcionamento do sistema de justiça, o crime-negócio ou economia subterrânea em tempos de globalização, bem como a vulnerabilidade dos jovens pobres.

Dellasoppa et al. (1999) também apontam para o fator institucional da desigualdade no Brasil, desigualdade pensada em termos do social da vulnerabilidade dos jovens pobres e em termos da economia subterrânea, mas analisam cada um separadamente. Aquela primeira característica, atrelada ao modelo de desigualdade social do país, é considerada por estes autores como a que melhor explicaria as "causas" da violência no Brasil. Neste texto, estamos particularmente interessadas na sinergia entre o recrutamento de jovens pelo mercado de drogas nas favelas e bairros pobres, onde é comum o uso de armas de fogo, e a pobreza, ou seja, as oportunidades educacionais e econômicas inadequadas ou inexistentes, assim como as formações subjetivas em processo de desenvolvimento intra e extramuros da escola.

Os índices do IBGE/INEP, medidos em 1996, revelaram que a melhoria do quadro educacional não afetou nem as taxas de crimes e mortes violentas, nem outras medidas do quadro da saúde da população. Isso é especialmente claro no Estado do Rio de Janeiro, onde tanto o PIB per capita (R$ 8.653 no RJ e R$ 6.491 no Brasil) quanto a taxa de alfabetização (93,7 no RJ e 85,3 no Brasil) são dos mais altos no país, mas cujo índice de esperança de vida ao nascer apresenta-se inferior ao índice nacional (66,97 no RJ e 67,58 no Brasil) e cujos coeficientes de mortes violentas são os mais altos do país para os homens entre 15 e 24 anos. Esse quadro indica a necessidade de examinarmos com mais cuidado as relações entre violência e educação, mais particularmente entre a violência dentro e fora da escola, bem como a educação oferecida dentro dela.

Os dados acerca da escola pública brasileira4 publicados e analisados na primeira metade da década de 1990 são preocupantes no que diz respeito tanto à possibilidade de retenção das crianças na escola, quanto à capacidade da instituição escolar de transmitir conhecimentos básicos e de dar uma formação moral ou ética que conduza à autonomia pessoal e à capacidade de se defender dos riscos provocados pelo próprio desenvolvimento tecnológico (Giddens, 1991; Beck, 1986). Conforme observou Alba Zaluar em outro texto (1998a):

[...] mesmo que em alguns estados e cidades o desempenho da escola pública não esteja muito abaixo da privada, se considerarmos apenas as escolas que atendem aos filhos da elite o diferencial entre os dois tipos seria muito maior. E é por isso que esse quadro torna-se social, política e economicamente ainda mais perverso, pois aumenta a desigualdade tanto no que se refere à capacidade de competir no mercado de trabalho, quanto no que se refere à capacidade de enfrentar outros riscos globais e locais que caracterizam hoje as sociedades contemporâneas. Refiro-me àqueles riscos que Ulrich Beck (1986) caracterizou como as inseguranças e azares advindos da própria modernização e do desenvolvimento tecnológico. Não tão visíveis quanto a miséria e o desemprego, fugindo à percepção direta, mas provocando destruição e ameaças principalmente à população mais pobre. Pois, se a riqueza acumula-se no topo da pirâmide, os riscos invisíveis dos desastres ecológicos, dos efeitos da revolução sexual, do uso disseminado de produtos químicos na agricultura e na casa, dos remédios adulterados, falsificados e fora de prazo, assim como daquelas substâncias chamadas de drogas e proibidas inflam-se embaixo. Daí que a correlação entre a pobreza e o baixo nível educacional adquiriu contornos ainda mais sinistros neste fim de milênio.

Como entender e dar conta dessa dupla manifestação de violência: a que aniquila os corpos das crianças e jovens no Brasil e a que arruína suas mentes, na medida em que não as capacita para enfrentar os problemas do mundo contemporâneo?

(Fonte: Alba Zaluar e Maria Cristina Leal)

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