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domingo, 29 de março de 2009

GAÚCHOS SÃO OS QUE MAIS "GOSTAM" DE RECORRER À JUSTIÇA NO PAÍS

“A secretária gaúcha Lisiane Romeu perdeu a conta de quantas vezes recorreu à Justiça para resolver problemas que pareciam insolúveis. Ela não é exceção no Rio Grande do Sul: relatório elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelou que os gaúchos recorrem mais ao Judiciário do que qualquer outro brasileiro. Aos poucos, a secretária lembrou, um a um, os processos. O primeiro, conta, foi um prosaico acidente de trânsito, resolvido com uma audiência rápida num Juizado Especial ainda nos anos 1990. Depois veio uma pendência trabalhista -finalizada em cinco anos e apenas duas audiências, uma delas de conciliação. Um divórcio, um problema com o condomínio atrasado, a pensão da filha. No total, cinco apelos ao Judiciário desde 1998.
Segundo o balanço do CNJ, tramitam hoje mais de 3,3 milhões de ações na Justiça gaúcha, em primeira instância e em segunda instância. Isso significa um processo para cada três habitantes. Além disso, há um grupo de 3.500 novas ações de segundo grau - que significam recurso de uma decisão já tomada - por ano para cada 100 mil habitantes. O número significa o dobro do que foi registrado no Mato Grosso do Sul, segundo Estado com mais processos novos de acordo com o CNJ.No Pará, por exemplo, foram registrados apenas 77 recursos para cada grupo de 100 mil habitantes. Os dados coletados pelo CNJ se referem ao exercício de 2007. "Não lembrava de quantas vezes havia entrado num fórum", disse a secretária.
Segundo Lisiane, ela nunca pensou em não recorrer ao Judiciário para resolver problemas envolvendo outras pessoas. "É difícil negociar com estranhos. Eu prefiro que a Justiça resolva por mim", diz. A secretária diz que gostou dos resultados. "Se [a Justiça] não funcionasse, procurava outro caminho", afirma.
"É incrível a quantidade de gaúchos que estão brigando nos tribunais", diz o presidente do Conselho de Relações Institucionais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, desembargador Voltaire de Lima Moraes. Segundo ele, o volume de ações judiciais expressa um espírito de cidadania forte no Rio Grande do Sul e a credibilidade do sistema - embora o desembargador considere um exagero o número de processos em andamento. Apesar disso, ele vê problemas na situação: "Acho que estamos deixando de negociar para jogar toda a responsabilidade sobre a Justiça".

Estados com maior número de caso sem 1ª instância (2007)
Estado / Casos por 100 mil habitantes / Casos novos por 100 mil habitantes

RS 14.242 - 1.507.212
SC 10.810 - 634.162
SP 10.626 - 4.231.973
MS 8.810 - 199.609
RO 7.427 - 107.974
Total no Brasil: 6.238 - 11.476.577
(Fonte: CNJ. Dados da Justiça estadual)

O advogado Rodrigo Coulon, especialista em direito processual civil, concorda com o desembargador. "Há uma certa pressa de alguns advogados em recorrer à Justiça antes de esgotar a busca por uma solução negociada", diz. Segundo ele, esse procedimento acaba entupindo o Judiciário desnecessariamente. "Em função do volume de processos, a distribuição de um recurso em São Paulo pode demorar até três anos. Isso é demais.
"O advogado avalia que a credibilidade da Justiça também deve ser levada em conta na análise dos números. Coulon relata o caso de um cliente que, mesmo após ter perdido a causa num Juizado Especial, saiu do Fórum de Porto Alegre satisfeito com a decisão pelo simples fato de ter podido reivindicar seus direitos num tribunal. "Pode parecer banal, mas isso significa a democratização de um poder tradicionalmente pouco acessível à população."
Estados com maior número de casos em 2ª instância (2007)
Estado / Casos novos por 100 mil habitantes / Total de casos novos

RS 3.460 - 366.125
MS 1.749 - 39.639
SC 1.262 - 74.062
SP 1.231 - 490.294
MG 1.000 - 192.655
Total no Brasil: 883 - 1.623.974
(Fonte: CNJ. Dados da Justiça estadual)

Não é possível dizer, no entanto, que o problema do acesso à Justiça esteja resolvido no Rio Grande do Sul. A Defensoria Pública do Estado, criada em 1994 com autonomia administrativa e financeira, responsável por dar assistência a quem não pode pagar por um advogado (tanto para quem deseja entrar com uma ação quanto para quem precisa se defender de uma), está presente em apenas 165 dos 496 municípios do Estado. Enquanto o TJ contabiliza 788 juízes no Rio Grande do Sul, a Defensoria atua com 245 advogados. A demanda nos mais de 33 mil atendimentos por mês, em função disso, acaba se refletindo na sobrecarga de trabalho dos defensores. "Nós entregamos a alma para suprir essa carência", diz a Defensora Pública-Geral do Rio Grande do Sul, Maria de Fátima Paludo.
Ela considera a estatística da defensoria alarmante. "Isso reflete o pouco caso que o Estado tem com o cidadão", diz. "Deixamos de possibilitar a igualdade entre os desiguais e de resgatar a cidadania e dar voz a quem não tem voz."
Baixo 'congestionamento'
O presidente do TJ gaúcho, desembargador Arminio José Lima da Rosa, diz que os magistrados gaúchos estão sentindo diretamente os efeitos desse "espírito belicoso" detectado pela pesquisa. Segundo ele, o Estado registra a maior densidade de novos processos por juízes - quase 3.000 para cada um em 2007. "Mesmo assim, nosso índice de congestionamento é baixo", disse.
A média brasileira de congestionamento, segundo o relatório do CNJ, foi de 74%, enquanto no Rio Grande do Sul o índice ficou em 22%. Essa taxa é calculada a partir da relação entre o número de decisões que extinguem um processo com a soma das ações em tramitação. "Sinal de que os juízes estão trabalhando acima do limite", avalia. O presidente da seccional gaúcha da OAB, Claudio Lamachia, acredita que a capacidade instalada da Justiça no Rio Grande do Sul não dá mais conta do grande volume de processos. "Isso é um fato incontestável", afirmou. Mas como o acesso ao judiciário é um direito constitucional, Lamachia defendeu mais investimentos no sistema. "Precisamos de mais foros, de mais servidores, de mais computadores", disse. Segundo ele, é dever do Estado "prestar jurisdição à população".
Para Lamachia, o grande volume de processos registrados no Estado se deve a uma característica cultural do povo gaúcho. "Temos tradição de brigar por nossas convicções", analisou o dirigente. Isso, segundo ele, leva advogados e população em geral a esgotar todas as possibilidades de recursos na Justiça.”
(Fonte: Flávio Ilha - Especial para o UOL)

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