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domingo, 1 de fevereiro de 2009

O SOLDADO DE POLÍCIA

Não se trata da expressão usada pelo Marechal quando diz Soldado da Pátria. Nem dos chamados desconhecidos, ganhando festivamente as flores da gratidão. Está mais próximo do Soldado amarelo do velho Graça, que pisou no pé de Fabiano na feira de “Vidas Secas”.
Refiro-me ao Soldado raso da polícia, o praça, sem galões, obscuro, sem cornetas e corbelha, a única autoridade nos longes do sertão, o que representa o poder, bem mais que o Presidente da República, pois que ele, na realidade, o é, ali, em quepe e reiúnas.
Recebe todas as insatisfações do povo que, não podendo vingar-se do responsável pela alta da carne, da farinha, do feijão, descarrega a fúria no que representa a Excelência. Daí o injustiçado, caluniado, despudoradamente chamado “meganha”.
Ninguém reflete sobre o seu difícil e importante papel na sociedade. Quem se lembra dele quando arisca a vida, ingloriamente, sem ganhar as medalhas do heroísmo. Trabalha duramente nos antros do crime, nos prostíbulos, nas jogatinas, nas madrugadas violentas, enquanto dormimos, amamos ou gozamos as delícias do lazer.
Exigimos dele o destemor na hora do perigo e a lhaneza do trato ao conduzir a velhinha na travessia da rua. Tem que ser um valente e um gentil. Queremos que tenha nervos de gelo ante a agressividade dos bêbados grã-finos, dos cocainômanos de chambre, dos importantes no campo de futebol, assembléias e congressos.
Precisa ser um jurisconsulto no instante de decidir se atira para matar ou arrisca a própria vida na dosemetria da legítima defesa. Não possui as condições tranqüilas do Juiz, cercado de livros e saberes, quando se encontra na luta contra assaltantes bem armados, enquanto porta um modelo 1908, mas tem que agir como um criminalista.
Todos podem alegar legítima defesa putativa, ou subjetiva. O Soldado de polícia, não. Pelo contrário. Não lhe socorre o direito de “julgar-se em situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima”. Em qualquer hipótese, ele será condenado. Se age com vigor é um violento; caso contrário, é um inoperante. E quem o julgará logo mais será o cidadão sentado na cadeira de balanço, lendo a notícia, sem risco, nem a emocionalidade do “pipocar” de balas.
Ninguém se refere às inúmeras atitudes nobres desse cidadão durante a sua atividade pelas ruas, estradas, feiras e parques. Basta, contudo, que um deles fira uma norma da boa educação e lá vem o dedo em riste.
Se aparece em qualquer lugar, incomoda. Se não aparece, é omisso. É um equilibrista sobre o fio imperceptível da moral: qualquer descuido, derruba-o para o lado do truculento ou do incapaz. Conquanto viva nos rastros dos ladrões, traficantes, precisando sempre, conviver com eles para impedir-lhes os crimes, cobra-se-lhe o comportamento de beneditino. Todos se esquecem que ser virtuoso em convento é fácil; sê-lo entre os que vivem contra a lei é quase impossível.
O Soldado ganha uma iniqüidade – melhorou agora – mas dele se exige que as carências maiores do seu lar (a doença do filho, a fome, a nudez, o frio) não lhe amolecem a vontade no momento do estado de necessidade.
Os moralistas, os importantes, os varões de Plutarco obrigam-no a satisfazer os seus próprios objetivos, violando a lei, perseguindo os fracos, usando a posição social ou política, mas é ele que paga a fama de perseguidor.
Às vezes, injustamente, é confundido com o marginal.
Nasce da pobreza, dos escondidos das invasões, dos expulsos da terra, das sucatas humanas, das noites sem teto, das refeições de panelas vazias, da disputa do punhado de farinha e da tijela de café preto.
Carrega n’alma todos os estigmas da meninice: casas sem divisórias, mães abandonadas, viúvas, promiscuidade nas tarimbas, casebres queimados, ou escorridos nas enxurradas das encostas. Vêm da teimosia dos que não morreram na primeira infância. Dos que assistem ao banquete de poucos ao lado da extrema carência. Dos contrastes entre os bairros feericamente iluminados e os enlameados. Das distorções entre os que morrem de fome e os que fazem regime para emagrecer. Mesmo assim, exigimos dele o comportamento de um embaixador do Itamaraty.
Será que não estamos sendo injustos com os Soldados de polícia, vigilantes da nossa tranqüilidade? Não precisamos quebrar o preconceito contra esse cidadão da ordem que encontramos na rua, cansado da noite maldormida para proteger o nosso sono?
Se nós nos encontrássemos nas situações de trabalho dele, faríamos ou seríamos melhores? Como andaria a ordem pública se eles não existissem?
Ele não é o resultado da sociedade que todos nós somos?
(Fonte: Euclides Neto).

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