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sábado, 7 de fevereiro de 2009

FORTALEZA: CONSTRUÇÃO COMUNITÁRIA, SEGURANÇA PÚBLICA, POLÍCIA MILITAR DO CEARÁ E MILÍCIAS I

Muito embora o descobrimento do Brasil remonte do início do século XVI, o atual Estado do Ceará, e mais precipuamente Fortaleza, somente teve estruturada sua sociedade a partir do século seguinte. Índios, franceses, holandeses, portugueses e posteriormente africanos (escravos), tiveram participação ativa na formação social de Fortaleza. Os franceses tiveram influência em menor escala, muito embora tenham sido intensas suas relações comerciais com indígenas locais por conta do seu domínio setentrional, marcante no Maranhão.

A própria Holanda, a partir de Pernambuco, estendeu seus domínios de ocupação em terras brasileiras, propriamente nordestinas, entre os séculos XVI e XVII. Em Fortaleza, a presença militar holandesa ergueu até uma Fortificação, correspondente hoje a nossa Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, instalação ocupada pelo Exército Brasileiro, sede da 10ª Região Militar.

Fortaleza, na barra do rio Ceará, abrigou fortificações que por repetidas vezes foram construídas, reconstruídas e destruídas. Todas elas fizeram parte ativa da formação da cidade. Parte daquela área ainda hoje é conhecida como Vila Velha, homenagem que lembra os primórdios e o nascedouro de Fortaleza.

Em 1835, ano correspondente a criação embrionária da Polícia Militar do Ceará, Fortaleza contava com uma população aproximada de 55.000 habitantes(1) e na sua estrutura social, menos de 2000 habitantes eram escravos. As mulheres já eram pequena maioria.

A sociedade local era pobre e dependente do poder central, muito embora já demonstrasse sinais de crescimento, inclusive estabelecendo ligações com portos da Europa, a exemplo de Camocim e Aracati. A influência consumista estava em ascensão, onde os produtos estrangeiros competiam superando potencialmente com os da terra.

Fortaleza que fora elegida à condição de vila em 1726 e à cidade em 1823, apresentava também em 1835 outras interfaces definidas, como os poderes organizados, dominados por classes abastadas, eclesiásticos e militares, e a sua geografia era definida por poucas ruas e praças. Existiam serviço postal, instrução pública, cemitério, pequeno hospital de caridade, porto de atracação, alguns outros prédios públicos, igreja e fortificação militar.

Segundo Thomaz Pompeu, in “Ensaio Estatístico da Província do Ceará” (1857, p.204), por ordem do Governador (presidente da província na época), Pe. José Martiniano de Alencar, o ano de 1835 foi marcado também, além do ano de criação da nossa atual PMCE - Polícia Militar do Ceará, pelo ano que oficialmente foi instalado por conta da Província, o censo, que deveria levantar os aspectos gerais da nossa terra e da sua gente. Fato curioso era o de que os chefes de polícia através de seus agentes e os párocos eram os responsáveis pelo arrolamento da população.

Fortaleza tinha uma vida e uma população cíclica, marcada pelos fortes movimentos migratórios, principalmente advindos das prolongadas secas que assolavam a região. Este fator caracterizou de vez a vida da comunidade local. Por vezes a cidade chegava a multiplicar sua população em 600% (seiscentos por cento) em poucos dias. Nessas ocasiões o caos era estabelecido na cidade. As ações do governo limitava-se a salvar as pessoas, quando podia, apenas fornecendo alimentos. A saúde, o saneamento, as condições de hospedagens, a geração de renda e a própria segurança pública eram afetadas. O número de órfãos era considerável, porquanto surgiam os primeiros “filhos da rua”.

Na pirâmide sócio-econômica, segundo ainda Thomaz Pompeu (Ob. c.p.254), um soldado do Corpo de Polícia (atual PMCE), recebia como vencimentos a quantia de 17$400 réis, ou seja, 580 réis/dia. Comparativamente, um vaqueiro ganhava 200 réis/dia, um caixeiro 320 réis/dia e um operário urbano 600 réis/dia.

O estudo destes aspectos norteiam o entendimento da atual conjuntura. Através destes dados, evidenciamos algumas verdades e podemos compreender melhor o nosso presente. Podemos observar que o caos provocado pelo processo migratório sazonal de 174 anos atrás advindo das secas, é parecido com o caos atual provocado pela migração da população rural para os centros urbanos nos últimos trinta anos, quando 72% da população presente no campo passou a ocupar as cidades. Fortaleza se insere neste contexto. Tal fenômeno “inchou” a cidade, a periferia e o eixo metropolitano. As favelas foram multiplicadas, hoje em Fortaleza são mais de 600 (seiscentas), e novamente os filhos da pobreza tornaram-se os “filhos marginais das ruas”.

A inserção da Polícia Militar nesse contexto, ocorreu inclusive para atuar no “vácuo” social.

Fortaleza, ontem e hoje

A cidade de Fortaleza tomou impulso sob domínio português a partir do início do século XVII, quando o português Pero Coelho de Sousa criou às margens do rio Ceará, a povoação que denominou de Nova Lisboa. Em 1796, a cidade já detinha o nome de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Posteriormente com a "independência" do Ceará de Pernambuco (1799), Fortaleza foi eleita capital da Província do Ceará, depois de breve período de Aquiraz como tal.

Esta elevação de Fortaleza à condição de Vila foi depois do domínio holandês, que como foi dito deixou inclusive um marco considerável na cidade, o então Forte Schoonenborch, hoje sede da nossa 10ª Região Militar. Este marco histórico da nossa civilização tornou-se um símbolo físico de Fortaleza, originando seu atual nome.

A cidade desenvolveu-se à beira-mar, entre os rios Ceará e Pacoti, desdobrando-se geograficamente na medida que suas comunidades cresciam.

É marcante na vida da cidade a orla marítima atlântica, caracterizada pela brisa constante que lhe proporciona agradável salubridade, inclusive a temperatura, em torno de 27o C, estável quase que a totalidade do ano. Mas que ainda hoje encontra-se com "bolsões" de miséria (Cadê o Projeto Costa-Oeste?).

Hoje vivem na cidade cerca de 2.548.074 habitantes, que ocupam intensivamente a área central e as áreas correspondentes aos antigos distritos de Antônio Bezerra, Parangaba e Mucuripe. E mais extensivamente, os de Mondubim e Messejana. Os distritos de Fortaleza originariamente eram povoações concentradas de índios pacificados e catequizados que passaram a viver aldeados ao lado de dois grandes ícones indispensáveis às suas realidades de época, a igreja e a lagoa (igreja e lagoa de Parangaba – Arounche; Igreja e lagoa da Messejana – Paupina; igreja e lagoa do Mucuripe – Maceió; igreja e lagoa do Mondubim – idem).

A história do planejamento físico-urbano de Fortaleza teve como marco o ano de 1818, quando o engenheiro Silva paulet concebeu o primeiro traçado de linhas retas e paralelas para Fortaleza, outrossim, o último e atual planejamento de Fortaleza é o Plano Diretor , aprovado em 2008.

Entre os dois períodos merece destaque o planejamento do urbanista Hélio Modesto, de 1962, que recomendou a construção da Av. Beira-Mar, de expressivo significado para Fortaleza.

Considerada a quarta maior cidade do país em população, nas últimas décadas Fortaleza vem sofrendo um elevado processo de migração, dada a sua dinâmica produtiva, infra-estrutura urbana e problemas climáticos do interior, agravados pela falta de política rural. A sucessão de períodos de estiagem contribuiram de forma significativa para o êxodo rural, favorecendo a instalação em Fortaleza de favelas absolutamente desprovidas de condições mínimas de vida. Este processo atingiu inclusive os municípios da Região Metropolitana.

O Crescimento de Fortaleza vem ocorrendo com grande velocidade, gerando dificuldades para que a municipalidade assegure níveis regulares de qualidade de vida e infra-estrutura urbana, bem como com esse acréscimo populacional ocioso, o caos urbano vem estabelecendo-se, deflagrando também parte do processo gerador de violência urbana, criando problemas na área de segurança pública.

Fortaleza convive também com os contrastes. Convivem no mesmo espaço urbano, modernos setores industriais, financeiros, comerciais e turísticos. Luxuosas áreas contrastam com uma extensa área de pobreza. A distribuição de renda é concentrada até mesmo para os padrões brasileiros. O Ceará detém talvez a pior distribuição de renda do Brasil, com 48% da população classificada como pobre, percebendo menos que um salário-mínimo ao mês, segundo o Banco Mundial. Nesse relatório constam que 36% vivem em favelas e 22% das pessoas são analfabetas. Da população inserida nos parâmetros de pobreza definidos pelo Banco Mundial, 20% localiza-se em Fortaleza e 42% na periferia da cidade. O percentual de núcleos familiares com a mulher com principal fonte de renda atinge 40%. O produto interno bruto per capita da cidade, é próximo de R$ 5 mil reais.

Os principais setores econômicos de Fortaleza são os de comércio e serviços, concentrados sobretudo nas áreas mais aquinhoadas. Decididamente, a grande vocação de Fortaleza é a de ser um entreposto comercial e turístico, e quiçá de eventos. Hoje, este setor já responde por 72% da alocação de mão-de-obra em Fortaleza e cerca de 71% da arrecadação de ICMS.

Fortaleza tem a força de trabalho mais pobre e vulnerável das regiões metropolitanas do Brasil. Nos últimos anos, o setor formal só produziu pouco mais de um quarto dos empregos exigidos pelo crescimento demográfico e a rápida industrialização do cinturão metropolitano não desacelerou o processo de informalização ou o crescimento de empregos de baixa qualidade. Todo o resultado mostra que, apesar do crescimento macroeconômico, cerca de 40% da população de Fortaleza classifica-se como de baixa renda e o desequilíbrio social aumentou nos últimos anos, com uma concentração de renda na qual 1% da população, a mais rica, tem uma renda igual a 60% da população mais pobre.

A ocupação espacial urbana de Fortaleza e a atração de um grande contingente populacional gerou a necessidade de implementação de infra-estruturas públicas e de novos investimentos.

É verdade que Fortaleza foi beneficiada com a abertura de grandes avenidas, construção de novo aeroporto, obras do metrô de Fortaleza, projeto sanear, obras da via expressa e tantas outras. Na área da saúde e social, somos testemunhas da inauguração do novo Hospital José Frota, programa “Criança Fora da Ruas, Dentro da escola”. Na área dos transportes, foram implantados os terminais urbanos e o sistema de “alternativos” e mototaxis. Os serviços públicos municipal ganharam reforços com a ETUFOR e AMC.

Na segurança pública, o projeto Distrito Modelo, a criação do Centro Integrado de Operações de Segurança e do Centro Integrado de Operações Aéreas, do Pograma RONDA, foram as grandes novidades do setor.

Mesmo diante de tudo isso, não se consegue avançar muito, porque todos os problemas decorrentes que foram citados são interdependentes. Suas soluções e ataques necessitam mais do que verbas, mas de uma construção coletiva mobilizadora. Não bastam rubricas, se não houver operacionalização com planejamento político-estratégico, mudança de atitudes e concidadania, ou seja, o exercício da cidadania com compromisso e ética, só para citar algumas posturas.

Dessas discussões perpassam todas essas nuances já apresentadas, para podermos entender o grau de percepção social das comunidades de Fortaleza face a postura da Segurança Pública, em particular a Polícia Militar do Ceará, visualizando os seus anseios e aspirações, haja vista a necessidade de descobrirmos também, se todas as demais dificuldades vivenciadas pela população nos diversos setores interferem ou não na violência urbana ou nos conceitos que a população tem da Segurança Pública.

É importante também que conheçamos o ambiente em que trabalhamos para nos situarmos no tempo e no espaço, paralelamente podermos encontrar soluções para os multiproblemas. Conhecer um pouco da Fortaleza de ontem e de hoje é fundamental para o estabelecimento de ações no amanhã.

A Polícia Militar do Ceará e sua inserção nesse contexto

A inserção da Polícia Militar a época de sua criação no contexto social de Fortaleza, teve como fundamento o processo de então, ou seja, basicamente o mesmo modelo vigente para a inserção de aparelhos policiais em todas as comunidades das cidades ocidentais existentes.

Esse modelo foi adotado na criação do próprio Estado há cerca de 6000 ou 5000 a. C. Devido a organização social do gênero humano, porquanto o homem começou a se organizar socialmente constituindo famílias, unido-se em clãs, criando tribos, tanto para garantir a continuidade da espécie, como também para facilitar a sobrevivência, adveio a necessidade de segurança, de estar protegido, favorecendo a formação de grupos, não só na espécie humana, mas em quase todo o reino animal.

O cientista Richard Dawkins (2) apresenta essa tendência à aglomeração a partir da necessidade de se auto proteger, explicando: “Claramente, um indivíduo sensato tentará manter seu domínio de perigo o menor possível. Particularmente, ele tentará evitar ficar na borda... Haverá uma migração incessante das bordas e um agregado em direção ao centro... Isto rapidamente levará à formação de agregados, os quais se tornarão cada vez mais densamente compactados.” Tal comentário comprova a hipótese de que a necessidade de segurança de qualquer sociedade, não difere das da comunidades de Fortaleza, que reconheceram como uma das causas importantes para o grupamento social permanecer uníssona num ambiente físico escolhido e organizado socialmente, viver sob a tutela de um aparelho policial. É por isso que, na ausência do Estado, nascem as MILÍCIAS. O Programa de Polícia Comunitária vigente ainda não conseguiu ocupar os espaços e adotar a política de polícia de proximidades integral e que gere o respeito e a confiança popular. E se assim continuar, somente com o incremento do efetivo e de viaturas Hilux, que se anuncia para depois de maio do ano corrente, não resolverá. As MILÍCIAS continuarão nas "graças" da população, notadamente a pobre.

A vida em comunidade impõe ao homem a criação de sistemas de cooperação ou regras mínimas de sobrevivência. Por isso, surgiu não só a divisão de trabalho, mas também a organização do poder. Sem algum tipo de poder que obrigasse ao cumprimento de regras, seria difícil existir vida em sociedade. E um dos instrumentos reguladores criados foi a lei. E para ajudar no cumprimento dela a polícia.

Fortaleza, capital da então província do Ceará, em 1835, testemunhou a criação embrionária da atual Polícia Militar a partir da possibilidade criada pelo advento da Lei de 17 de agosto de 1831, oriunda do poder monárquico central, cujo conteúdo visava controlar a proliferação de MILÍCIAS provinciais e municipais, criando a Guarda Nacional e por conta da Lei de 03 de outubro de 1834, impondo às províncias a necessidade de organizar suas forças públicas.

Quando da criação da força na província, a proporção de policiais por habitantes era de 1/2361, conforme o Ensaio Estatístico da Província do Ceará, de 1863, p. 726. Em Fortaleza concentrava-se a maior fatia do efetivo. Hoje é de 1/630 no Ceará.

Para fins comparativos, analisando a evolução de ocorrências em Fortaleza entre os anos de 1835 – 2008, temos um quadro seguidamente exposto, que demonstra a fenomenal diferença dos índices de ocorrências registradas pelo aparelho policial, logicamente, devemos considerar as grandezas da Fortaleza de ontem e de hoje, com uma população cinquenta vezes maior.

Quadro comparativo de algumas ocorrências de 1835/2008
Danos
1835 - 02
2008 - 1006
Homicídios
1835 - 05
2008 - 907
Roubos
1835 - 12
2008 - 23134
Furtos
1835 - 29
2008 - 10790

Esta análise serve para pactuar o entendimento sob a inserção da Polícia Militar no contexto social de Fortaleza, e a partir daí conhecermos todo o processo político-social do atual binômio polícia x comunidade local e o "por que" das MILÍCIAS.

Fonte: Ensaio Estatístico da província do Ceará; CPD-CIOPS, até a data pesquisada; Pecepção social das comunidades de Fortaleza - Seus anseios e aspirações face à postura da Polícia Militar do Ceará. Autoria: lima, P. A. da S. et Paula Neto, F. C. – Orientação: Adail Bessa de Queiroz.

Notas
(1) - Cf. Mapa Estatístico do Estado do Ceará;
(2) - In: O gene egoísta. São Paulo, ed. USP, 1979, p. 190-191.

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