"Elegemos o coração como órgão mais importante do corpo humano. O tratamos com respeito e não lhe atribuímos erro, talvez com medo de o aborrecer, porque qualquer desgaste poderá estragar nossa vida para sempre. Para agradar ao coração, o consideramos santuário bendito do amor.
De tanto ser valorizado, respeitado e venerado, o coração, orgulhoso de seu valor, trancou-se em nosso interior. Não admite que ninguém o veja nem o toque, apenas bate compassado no peito como se ameaçasse parar, pondo fim a todas as ilusões da vida. Escondido, protegido por dentro e por fora, pode o coração tramar diabólicas traições, cometer maldade, desfazer sonhos e gerar desenganos. Guardião de nossa confiança, no esconderijo de seu pulsar, tem amplas condições de trair e nos levar ao desespero. Mesmo assim, continua o coração impávido, intocável e eleito símbolo do amor.
Enfeitiçados pela mística do coração, esquecemos do grande valor das mãos, que, mesmo agindo às claras, sob o olhar julgador de todos, é capaz de traduzir, com lealdade, toda a nossa capacidade de amar. Talvez por não se esconderem para a prática do mal, as mãos não são reconhecidas nem respeitadas, mesmo quando postas a serviço do bem. Não sabemos se mais satânica a traição urdida à sombra da iniqüidade ou se a maldade praticada à vista de todos.
Nenhum sentimento de doação é traduzido com maior expressão do que o gesto de uma mãe, cujas mãos afaga o filho, carinhosamente, levando-o ao peito para a sagrada transfusão do amor. Benditas as mãos que têm a coragem de socorrer os que sofrem, os que são desprezados e os que se contorcem crivados pela dor.
Sagradas mãos que erguem da sarjeta os que caíram sob o peso da ambição, do desespero e do egoísmo. Abençoadas são as mãos que abraçam o traidor, que buscou meios para enganar e fazer sofrer quem nele confiou.
As mãos são tão importantes que, quando desejamos dominar alguém, temos que imobiliza-las. Apenas, ao algemar, estamos esquecendo que não deveríamos acorrentar as mãos, o importante é que elas estejam sempre libertas para a prática do bem, sobrepujando o mal.
Jesus também teve o seu momento de fraqueza, quando seu coração escondeu de todos o sentimento de pavor ao se aproximar o martírio do calvário. Foram suas mãos, que, abertas na presença do pai eterno, colocaram-se à disposição do suplício. Corajosamente se entregaram às algemas dos judeus e permaneceram quietas, sem reagir aos insultos e ao flagelo, apesar do poder de Rei dos Reis.
O Nazareno santificou as mãos em todos os atos de sua vida. Foram elas que acolheram Madalena, que, desesperada, fugia da fúria dos pecadores. Quando quis ressuscitar Lázaro levantou o amigo pelas mãos frias e o chamou novamente para a vida.
Com as mãos apontou o caminho para que paralíticos e cegos caminhassem à procura de um mundo de paz e amor.
As mãos do filho de Deus não se acomodaram, nem se esconderam, quando foi necessário usar o chicote para combater os profanos do templo de seu pai, pois, naquele ato, elas, também, foram postas a serviço do direito e da justiça.
Foram, as sagradas mãos do Salvador, que, mesmo dilaceradas e traspassadas pelos cravos de ferro, seguraram o corpo imóvel de Cristo, cujo coração parou e O abandonou ao primeiro golpe da lança do algoz.
O próprio Jesus, certa vez, recomendou prudência em se depositar tanta confiança no coração, quando alertou que ninguém seria capaz de avaliar a maldade contida no coração de um homem sem fé, escravo dos bens materiais.
Não vamos trair a confiança do Criador que nos deu as mãos como instrumento para a prática do bem. Também não podemos esconder no coração as tramas da maldade e, por fora, alardear que ele é o verdadeiro símbolo da pureza e a fonte sagrada, onde buscamos toda força e a infinita capacidade de amar."
(Fonte: João Eudes Costa - Escritor Quixadaense)
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