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sexta-feira, 22 de maio de 2009

ATUAÇÃO DA FORÇA NACIONAL É LEGAL ?

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ


PROCESSO N. : 2009.39.00.000686-2

CLASSE 7100 : AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AUTOR : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU : UNIÃO FEDERAL

JUÍZA FEDERAL : HIND GHASSAN KAYATH

D E C I S Ã O

Trata-se de pedido de tutela de urgência formulado no bojo de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União, objetivando a suspensão liminar da eficácia das Portarias n. 02 a 05 do Ministério da Justiça, expedidas com base no Decreto 5.289/2004, obstando o emprego da Força Nacional em todo o território nacional até o julgamento do mérito da demanda, bem como impondo a obrigação de não editar portarias com conteúdo semelhante.

Sustenta a inicial que a Força Nacional de Segurança Pública, instituída pelo Decreto n. 5.289/2004, longe de ser um mero programa de cooperação, está sendo empregada como órgão de polícia ostensiva da União em diversos Estados da Federação, traduzindo-se em um autoritarismo incompatível com o Estado Democrático de Direito.

Assim, a sua criação por decreto presidencial, viola o artigo 144 da Constituição Federal que dispõe de forma taxativa sobre os órgãos de segurança pública do país, burlando a necessidade de emenda constitucional para sua instituição, bem como a competência do Congresso Nacional fixada no inciso XI do artigo 48 do texto constitucional.

Assinala que a atuação da Força Nacional de Segurança Pública, ainda que conte com a anuência dos governadores, configura intervenção federal ainda que transvestida de “cooperação federativa”, o que macula o princípio da não-intervenção.

Na forma do artigo 2º. da Lei n. 8.437/92 foi determinada a prévia manifestação do representante judicial da pessoa jurídica de direito público demandada que ofertou pronunciamento colacionado às fls. 62/90, defendendo a constitucionalidade e legalidade da Força Nacional de Segurança Pública.

É o breve relatório. Decido.

Decerto que no Estado do Pará a segurança pública no plano concreto não existe para a maioria da população. Não se passa pelos menos um dia sem que a Imprensa noticie fatos que vitimam cidadãos e famílias pertencentes a todos os segmentos da sociedade, demonstrando a ineficiência do aparato estatal para lidar com essa situação. Todavia, a questão não requer apenas medidas de prevenção, repressão e punição da criminalidade. Ao lado desses instrumentos de enfoque meramente penal, impõe-se a adoção de políticas públicas voltadas para garantir emprego, educação e saúde à população, bem como o atendimento das necessidades peculiares do idoso e da infância e juventude.

A temática é extremante complexa, mas é indiscutível que desde Thomas Hobbes, o teorizador do estado moderno, ou seja, do "Estado de Direito", se erige como fundamento da ordem social o monopólio da força pelo Estado. O seu exercício com legitimidade, por parte do Estado, como vemos em Max Weber, encontra eco no Estado Democrático de Direito em que vivemos. Contrapondo-se a este poder-dever do Estado, resta para a sociedade impotente e desprotegida com o aumento da violência o instrumento mais importante que o regime democrático colocou em suas mãos: o direito ao voto. No estágio atual do problema urge reconhecer, entretanto, que a demanda social de proteção não pode ficar à espera da realização de novas eleições periódicas que resguardam a alternância do poder, características da forma republicana de governo, nem com a tomada de ações por conta própria, movimentos típicos das formas da justiça privada anteriores a formação do Estado moderno. Impõe-se aos governos, federal e estadual, a tomada de providências, dentro de suas funções constitucionais, para enfrentar a criminalidade.

Pois bem, na hipótese em causa vislumbro que a preocupação externada pelo membro do Ministério Público Federal com a salvaguarda do Estado Democrático de Direito, muito bem exposta na inicial, é melhor atendida, contudo, com a efetiva outorga de proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos, resguardando-lhes a integridade física e o direito à vida.

A questão, então, demanda ser analisada sob o enfoque central da efetiva garantia de direitos fundamentais. Isso porque, ao lado do pluralismo político, os direitos fundamentais constituem a base do Estado Democrático de Direito. O seu escopo deve ser o respeito e a promoção dos direitos fundamentais. Na lição de Canotilho e Vital Moreira o Estado de direito democrático pressupõe e garante os direitos fundamentais. Para tanto, impõe-se analisar a nova tríade constitucional do Estado Democrático de Direito que condiciona e legitima a sua atuação.

Erhard Denninger evoca a insurgência de uma nova visão constitucional baseada na segurança, diversidade e solidariedade, em substituição à tríade tradicional da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Em um texto publicado em 2000, que se tornou alvo de profícua discussão, Erhard Denninger sustenta que a Lei Fundamental alemã de 1949, cujo referencial teórico são os valores de liberdade, igualdade e fraternidade herdados da Revolução Francesa, estaria sofrendo questionamentos (percebidos nos debates sobre a reforma da Lei Fundamental e de alguns Länder alemães) em face de um novo paradigma constitucional, cujos ideais são segurança, diversidade e solidariedade. Segundo Denninger esse novo paradigma surge como sendo a idéia central e a força propulsora por trás de muitos debates recentes sobre reforma constitucional nos Länder alemães.

Nesse contexto, a segurança não possui mais o mesmo significado que lhe emprestou a Revolução Francesa e o Estado de Direito formal, ou seja, de uma segurança garantida pelo direito, de viver pacificamente, sem armas, sem violência, e no sentido jurídico do termo, a ação limitada e calculável da ação do Estado e a certeza do direito fundada na sua clara e inequívoca cognição. Segurança significa agora o prospecto da atividade ilimitada e infindável patrocinada pelo Estado em favor da proteção dos cidadãos contra perigos sociais, técnicos e ambientais. Isto deve ser reconhecido como a face do “estado preventivo”. O estado de prevenção de Denninger é inspirado pela máxima segurança, de cuja evolução decorre duas conseqüências: o direito fundamental como dever positivo de proteção do estado; o direito fundamental à segurança.

Esse novo ideal constitucional de segurança encontra guarida no artigo 144, caput, do nosso texto constitucional, nesses termos: a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Assim, a segurança pública como direito fundamental de natureza prestacional passa a atrair a incidência do regime privilegiado dos direitos fundamentais, dotado de eficácia jurídica imediata, vinculando entidades públicas e com a garantia do seu conteúdo essencial. A sua faceta prestacional impõe ao Estado o dever de assegurar a segurança pública a todos os cidadãos.

O direito à segurança traduz-se em duas dimensões: primeiro, dimensão negativa, representando o direito subjetivo de segurança, comportando o direito de defesa face violações do Poder Público; segundo, dimensão positiva, constituindo no direito à proteção outorgada pelos poderes públicos contra violações ou ameaças à segurança da pessoa, seus bens e domicílio(1). E não é só isso.

O direito à vida e o direito à integridade pessoal, como direitos de existência, assim entendidos porque de sua salvaguarda depende a própria existência do indivíduo(2), traduzem-se em sua dimensão subjetiva no direito de exigir a sua tutela jurídica contra comportamentos ofensivos.

Dentro do atual panorama, a segurança pública se insere como pauta concretizadora de outros direitos fundamentais como o direito à vida, direito à liberdade, resguardo à integridade física e da dignidade da pessoa humana. Esse sistema de direitos fundamentais repousa na concepção da pessoa humana como fundamento e fim do Estado, vale dizer, na dignidade da pessoa humana (3).

Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que a Força Nacional de Segurança Pública, um mero programa de características pontuais que funciona por meio de intervenções de natureza emergencial, não será capaz de resolver uma gama de problemas que compõem o quadro negativo da segurança pública. Não obstante, em face de seu caráter temporário, não se constituindo em um instrumento permanente, a sua criação vem ao encontro desse novo modelo de paradigma constitucional que exige uma atuação efetiva, concreta e eficaz do Estado Brasileiro na defesa dos direitos humanos.

Para o bom desempenho desse papel, justifica-se, dessa forma, a mútua colaboração entre a União e os Estados Federados, conjugando esforços no combate da criminalidade, conforme autoriza o artigo 241 da Constituição.

Como bem assentado na manifestação da Procuradoria da União no Estado do Pará, trata-se de uma ação concreta de apoio aos Estados-membros e Distrito Federal, resultado de uma convergência de forças e não de imposição de um ente sobre o outro. Não há, pois, qualquer risco ao equilíbrio do pacto federativo, ainda mais quando esse tipo de atuação está pautado na solicitação do Estado assistido. O fator “compulsoriedade” não está presente quer na composição dos quadros da Força Nacional pelos servidores estaduais, como também na sua atuação nas diversas unidades da federação.

No caso do Estado do Pará, por exemplo, a fragilidade da área de segurança pública foi admitida pela governadora ao requerer a prorrogação da permanência da Força de Segurança, por mais sessenta dias, após o encerramento do Fórum Social Mundial. E as próprias particularidades do nosso Estado, com sua enorme extensão territorial e rica floresta, porta aberta para a rota do tráfico internacional de drogas, tráfico de mulheres, crimes ambientais, trabalho escravo, exploração sexual de crianças e crimes de encomendas (pistolagem), agravadas pelos problemas da violência urbana, justificam um esforço conjunto para reverter esse quadro caótico.

Para além disso, não se pode olvidar que a Força Nacional de Segurança Pública, longe de constituir um órgão próprio e autônomo de segurança pública federal, é tão-somente um grupamento especialmente treinado composto de forças já existentes, isto é, integrado por membros da Polícia Federal e dos órgãos de segurança pública dos Estados.

Portanto, tenho como suficiente para extrair o fundamento de validade da criação da Força Nacional de Segurança Pública, como programa de cooperação, o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º., inciso III, da CF), direito à vida (artigo 5º. Caput, da CF), o direito fundamental à segurança pública (artigo 144 da CF) e o artigo 241 da Carta de 1988 que trata dos convênios de cooperação e veio disciplinado pela Lei n. 11.473/07.

Ante o exposto, por não vislumbrar qualquer ofensa ao princípio da legalidade e ao princípio do Estado Democrático de Direito, indefiro o pedido de liminar.

Cite-se a União.

P.R.I.

Belém, 09 de fevereiro de 2009.

Hind Ghassan Kayath

Juíza Federal da 2ª. Vara



(1) CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da república portuguesa anotada, vol 1. Coimbra: Coimbra, 2007, p. 479.

(2) MIRANDA, JORGE. Manual de direito constitucional. Tomo IV. 4ª. ed. Coimbra: Coimbra, 2008, p. 91.

(3) MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. 4ª. ed. Coimbra: Coimbra, 2008, p. 197.

(Fonte: Colaborou o CEL PM Fco. C. Paula Neto)

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