"Uma das peculiaridades marcantes do Estado brasileiro é sua opacidade no que diz respeito aos atos administrativos. O caso das decisões secretas do Senado parece extremo, mas de fato é típico. Embora a secretividade dos atos empreste ao Senado uma dimensão de desfaçatez pouco igualada, mesmo isso não é inédito.
Apesar de o quadro geral brasileiro ser de deficiência no território da divulgação de informação, há diferenças entre esferas e poderes. Algumas iniciativas recentes têm trazido mais visibilidade às decisões dos poderes públicos, permitindo com isso melhores condições para o monitoramento por parte das ONGs, dos grupos de interesse e da imprensa. A Transparência Brasil dedica quase todo seu esforço na coleta, tratamento, análise e divulgação de informação estruturada sobre aspectos da vida pública, como é o caso do projeto Excelências, dedicado ao monitoramento permanente de 2.268 parlamentares em exercício em todas as 55 principais Casas legislativas brasileiras.
Embora o monitoramento do poder público não se realize concretamente na intensidade e com a frequência que seria desejável (imprensa, ONGs etc. fazem isso muito mal), a luz do sol projetada sobre a administração é o melhor desinfetante.
Em 1999, uma resolução do Tribunal de Contas da União obrigou as empresas estatais federais a publicarem na Internet todos os seus contratos. Nem todas obedecem e, em geral, a existência dessas informações não é anunciada nas páginas de entrada de seus sítios de Internet. Para algumas, encontrar a lista dos contratos exige garimpagens consideráveis.
Os sistemas de publicação às vezes não funcionam direito (como é o caso da Eletrobras, por exemplo) e outras, inexplicavelmente, limitam a publicação dos dados a um ano (como é o caso da Petrobras — mas não de diversas de suas subsidiárias).
Uma iniciativa pioneira no Brasil foi a formação do Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União, que apresenta todas as despesas realizadas no Orçamento federal (exceto estatais e exceto os gastos da Presidência; estes últimos são mantidos em segredo desde sempre — antes que os antilulistas se abespinhem, o segredo sobre os gastos relacionados ao presidente era também praticado no governo FHC). Criado em 2005, o Portal tem emulado iniciativas semelhantes em alguns estados, como Bahia e Alagoas. O Rio Grande do Sul anuncia desde o ano passado que publicará um portal desse tipo, mas ainda não o fez. Outros estados trabalham nessa direção.
O acompanhamento do Orçamento federal pode também ser feito no projeto Siga Brasil, de iniciativa do Senado. A ONG Contas Abertas se dedica a analisar os dados do sistema de pagamentos federal (e também do Distrito Federal e do estado do Rio de Janeiro) e daí extrair informações importantes para iluminar aspectos da administração pública.
Um estado em que não há qualquer movimento nessa direção é São Paulo. O Estado mais rico do país (34% do PIB, 41% da arrecadação de tributos federais) é dos mais opacos do país. É impossível, por exemplo, saber quantos contratos e seus montantes uma determinada empresa tem com órgãos públicos estaduais.
Uma administração em relação à qual haveria em tese ceticismo quanto à disposição de empreender iniciativas dessa natureza é a prefeitura de São Paulo. E não é que o município de São Paulo está avançando?
Em 2008, promulgou-se em São Paulo uma legislação que obriga todos os órgãos municipais (Executivo, Legislativo e Tribunal de Contas do Município) a publicarem a lista de seus funcionários, onde estão lotados e a função que exercem.
Isso começou a ser implantado recentemente, embora de uma forma que não facilita a consulta (arquivos em PDF, limitados a um mês, publicados em cada órgão e não centralizadamente). O Executivo tem cumprido a lei, embora dez das dezenas de repartições ainda não tenham se conformado à norma, o Legislativo obedece mas não o Tribunal de Contas do Município.
Na semana passada, a prefeitura passou a publicar centralizadamente a lista de funcionários, juntamente com seus salários. Além disso, cada órgão passou a publicar seu “Portal de Transparência”, com os contratos firmados. A forma de publicação é ainda rudimentar, mas é um progresso. Não chega ao nível do governo federal, mas está muitos furos acima do governo do Estado, que, como se observou, age como se não tivesse chegado ao século 21.
Assim que a prefeitura passou a publicar os salários dos funcionários, entidades representativas destes entraram na Justiça contra a iniciativa, alegando invasão de privacidade. Um juiz deu liminar, a prefeitura recorreu, um desembargador derrubou, outro magistrado concedeu nova liminar proibindo a publicação e o rolo jurídico está armado.
Ora, agente público não tem o mesmo direito à privacidade que agentes privados. O salário de agentes públicos é pago pelo contribuinte — que tem o direito de saber o que está pagando.
Imagina-se o que se viria a conhecer caso o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, as Cortes Superiores de Justiça e mais o Ministério Público da União, a Advocacia Geral da União, os Ministérios etc. publicassem listas de seus funcionários (concursados ou não) com os respectivos salários.
Em particular, essa história dos atos secretos sequer aconteceria."
(Fonte: Blog do Abramo)
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