Dia 19/07, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo,
participou da 24ª Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Cabo Verde, no Continente africano.
VEJAMOS O DISCURSO DO MINISTRO ERNESTO ARAÚJO:
Sinto-me extremamente honrado em assistir a esta 24ª Reunião do
Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, no país de
Amílcar Cabral e, mais especialmente, na cidade onde nasceu uma das mais
expressivas vozes de Cabo Verde e de toda a comunidade de língua portuguesa, a
cantora Cesárea Évora, extremamente querida em todos os nossos países.
Parabenizo as autoridades cabo-verdianas pela escolha do lema “As
pessoas, a cultura, os oceanos” para sua presidência pro-tempore da CPLP neste
biênio. São temas caros ao Brasil e importantes para todos os nossos países.
Estou certo de que, no dia de hoje, manteremos um debate franco e produtivo
sobre todos esses temas.
Antes de vir, recordo-me de ter lido que Mindelo tem “um toque
muito brasileiro”, e constatei isso plenamente, já, nessas poucas mas muito
ricas e muito agradáveis horas em que já estive a oportunidade de estar aqui em
Mindelo. É com o mesmo orgulho que, sabemos todos, o Brasil se reconhece tanto
em nossos ancestrais portugueses quanto africanos, e em cada um de nossos
irmãos dessa comunidade. Acho que todos nós, aqui, temos um toque de cada um
dos outros e é isso que nos faz realmente uma comunidade muito especial.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa também tem um
significado muito vivo para nós, dado que nos faz sempre recordar o primeiro
encontro de Chefes de Estado e de Governo de Língua Portuguesa, realizado na
cidade de São Luís do Maranhão, em 1989.
Ali se plantou a semente que, sete anos depois, prosperaria na
criação da CPLP na Cúpula de Lisboa. Sentimos todos que era necessário dar voz
a um idioma que nos une, e que, ao mesmo tempo, é falado por quase 300 milhões
de pessoas ao redor do planeta. Era necessário, também, compartilhar
internacionalmente nossas melhores expressões artísticas e culturais, algo que
será favorecido pela recente decisão de se criar a Bienal de Artes e Indústrias
Criativas da CPLP.
Gostaria de fazer alguns comentários sobre a importância do
trabalho que vimos desenvolvendo em torno dos três eixos conceituais da CPLP.
No caso da concertação
política, a realização de 29 Missões de Observação Eleitoral
desde 1999, quando assistimos ao referendo sobre a autodeterminação de Timor
Leste, atesta o compromisso de nossos países com o aperfeiçoamento dos
processos democráticos em prol de nossas sociedades. No Brasil,
especificamente, estamos vivendo um momento muito especial de construção
democrática; um povo mobilizado que cobra resultados de suas instituições, e
isso nos convence de que a busca da democracia é um trabalho permanente e no
qual a cooperação entre nós, que temos esse objetivo compartilhado, é
essencial.
Da mesma forma, o diálogo da CPLP com diferentes organizações
internacionais e regionais tem-se ampliado, como demonstram o acompanhamento e
o positivo desfecho da situação política na Guiné-Bissau – mas sobretudo o
respeito primordial às instituições daquele país-irmão, tal como defendido pelo
Brasil.
O número de 19 países e organizações que compõem o grupo de
Observadores Associados, a ser proximamente ampliado, reforça a percepção
internacional da CPLP como um interlocutor internacional de marcada
credibilidade. Eu tive a oportunidade de constatar isso muito claramente na
reunião de Cúpula, na Cimeira do Mercosul, que transcorreu anteontem na
Argentina, onde, ao mencionar que estava vindo para esta reunião em Cabo Verde,
todos os países ali, que não são apenas os quatro fundadores do Mercosul, mas
os Estados Associados, que são todos outros países na América do Sul,
expressaram um incrível interesse por essa comunidade – e acho que já trouxe inclusive
o interesse de mais um país em se tornar observador, que é a Bolívia. O
ministro de Relações Exteriores da Bolívia me expressou ali o interesse de se
tornar um dia observador, dado que há uma comunidade de 50 mil brasileiros,
portanto “lusoparlantes”, vivendo na Bolívia. Outro país que acho seria um
excelente candidato seria o Paraguai, onde há cerca de 300 mil brasileiros
vivendo ali. Ou seja, a língua portuguesa também está se expandido para oeste,
dentro da América do Sul.
Nós defendemos um engajamento e um trabalho cada vez mais
coordenado entre os Governos da CPLP a favor desses princípios que nos unem,
muito especialmente da democracia em nossas sociedades. E nesse contexto, eu
preciso mencionar, a grave crise por que passa a Venezuela, país irmão de todos
nós, com quem o Brasil compartilha mais de 2.000 km de fronteiras, e também um
país que é o lar de muitos falantes da língua portuguesa, graças a comunidade
portuguesa e também à comunidade brasileira.
Nós acompanhamos de perto os acontecimentos nesse país vizinho e
temos buscado apoiar os esforços para o restabelecimento da democracia na
Venezuela. O regime ilegítimo, infelizmente ainda ali instalado, é o único
responsável pela crise política, econômica e humanitária que atinge aquele povo
irmão – uma situação de direitos humanos absolutamente inaceitável, tal como
plasmado no relatório recente da Alta Representante das Nações Unidas para os
Direitos Humanos. Quero dizer que essa situação não é uma situação abstrata,
não é simplesmente uma situação de engenharia política – é um drama humano,
tive a oportunidade de constatá-lo nas visitas que fiz à fronteira da Venezuela
com o Brasil e da Venezuela com a Colômbia, onde testemunhei a situação, o
drama dos refugiados venezuelanos que estão atravessando essas fronteiras, e
onde testemunhei também diretamente o anseio deles por liberdade e pelo
restabelecimento de um Estado de direito no seu país. Esperamos vivamente que
os países aqui reunidos possamos, todos, colaborar com os esforços de
redemocratização da Venezuela.
Recordo que a CPLP, nos seus primórdios, teve um papel importante
na independência do Timor, nossa comunidade nasceu com uma vocação muito clara
de liberdade. Ontem, na muito agradável recepção que nos ofereceu o governo da
Ilha, entre as várias canções que foram tocadas com enorme talento, me chamou a
atenção aquela canção “Ai, Timor”, a canção da independência do Timor, que diz
“Calam-se as vozes dos teus avós, se outros calam, cantemos nós”! Isso é muito
o que nós estamos tentando fazer nesse trabalho com a Venezuela. Os
venezuelanos infelizmente estão calados pela ditadura que os assola, e nós
precisamos cantar e falar em favor da democracia naquele país.
Outro eixo basilar da CPLP, ao qual o Brasil sempre procurou
estender os melhores esforços, é o da cooperação. Por meio da Agência Brasileira
de Cooperação (ABC) e de outras instituições nacionais, que têm longa
experiência em terreno muito similar ao dos demais estados-membros, a
cooperação brasileira abrange áreas que implicam impacto direto sobre o
bem-estar de nossos cidadãos e cidadãs, como saúde, educação, recursos
hídricos, nutrição, ensino superior e direitos das pessoas com deficiência,
entre outros.
Em maio passado, realizou-se, em Brasília, capacitação sobre
planejamento de bacias hidrográficas e de redes hidrometeorológicas, no âmbito
do projeto "Apoio à Gestão de Recursos Hídricos nos Países da CPLP".
Na ocasião, participaram técnicos de Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau e de São
Tomé e Príncipe. Em outubro, uma nova missão do projeto levará mais 14 técnicos
a Brasília, para dar um exemplo de uma das atividades às quais temos dado
prioridade.
Merece especial menção o projeto "Fortalecimento da
Capacidade Política e Institucional de Agentes Governamentais e Não
Governamentais para a Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas com
Deficiência nos Países da CPLP", implantado pela Secretária Nacional dos
Direitos da Pessoa com Deficiência (SNDPD) e a CPLP, com apoio da ABC. Esse
projeto, cuja segunda fase está em discussão, contemplou visitas oficiais a
Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde. Ainda em 2019, serão
executadas as atividades previstas para o Timor-Leste e para Guiné-Bissau.
Apoiaremos, ademais, instâncias inovadoras de cooperação entre
países de língua portuguesa. Os Procuradores-Gerais de nossos países, em seu
16º encontro, em novembro do ano passado, em Brasília, decidiram criar uma Rede
de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro da CPLP, favorecendo o
intercâmbio de informações entre os Ministérios Públicos sobre legislações e
iniciativas nacionais, nessa área que é tão vital para a opinião pública e para
a população de nossos países, que é o combate à corrupção. Eles formaram
igualmente a Rede de Procuradores Antidrogas da CPLP, com o objetivo de fomentar
e favorecer a cooperação entre as Procuradorias Gerais da República da CPLP no
enfrentamento desse outro flagelo que é tráfico internacional de entorpecentes.
O governo brasileiro quer incentivar o aperfeiçoamento cada vez
maior dos mecanismos de transparência, de defesa do patrimônio público e de
combate à corrupção, tanto no Brasil quanto no exterior. Estamos dispostos a
aprofundar a cooperação com nossos parceiros nestas áreas tão importantes para
o bem-estar de nossas sociedades e para o nosso desenvolvimento.
Considero importante o exercício, em curso, de atualização dos
instrumentos que regem a cooperação no seio de nossa Comunidade. Cabe-nos
estabelecer uma estrutura decisória que garanta maior coordenação e
efetividade. Nesse sentido, procuramos apoiar a presidência cabo-verdiana na
realização de seminário dos Pontos Focais de Cooperação, em abril deste ano. É
preciso buscar uma maior articulação com o Comitê de Concertação Permanente e
com o próprio Secretariado Executivo, a fim de maximizar os recursos
disponíveis para atividades de cooperação.
Quero também fazer uma menção muito especial ao eixo linguístico, esse
“vasto mundo” do idioma português. O idioma comum que empresta seu nome a esta
comunidade de nações é também o amálgama que liga e aproxima quatro
continentes. A promoção da língua portuguesa se afigura, a um só tempo, como
objeto e objetivo da ação diplomática brasileira juntamente aos demais membros
da CPLP. A língua é o pensamento, é a cultura, é a identidade. E a contribuição
que todos nós temos a dar ao mundo nós a damos na nossa língua portuguesa.
Defender a língua é, portanto, defender a nossa liberdade e o nosso lugar no
mundo.
Temos particular interesse na promoção do idioma português como
instrumento de coesão e na concertação das atividades da CPLP. Para o Brasil, o
sucesso da promoção do idioma comum passa, necessariamente, pelo fortalecimento
do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), sediado aqui em Cabo
Verde, e agradeço muito a apresentação do Diretor do Instituto.
Desejo expressar ao Diretor Executivo do IILP, Professor Intumbo,
o sincero apoio, por parte das instituições brasileiras, para ampliar o papel
do instituto como ferramenta de promoção compartilhada do português. Gostaria,
a propósito, de mencionar que uma das novas iniciativas do Governo brasileiro é
a criação do “Instituto Guimarães Rosa”, um instituo de promoção da língua e da
cultura que homenageia o escritor e diplomata brasileiro, autor de, entre
tantas obras, “Grande Sertão: Veredas”.
É intenção do Brasil facultar o uso da estrutura a ser criada com
o novo Instituto para a realização de ações conjuntas com todos os membros da
CPLP. Nessas condições, saúdo especialmente a realização, em 2020, ainda sob a
produtiva presidência cabo-verdiana, da 4ª edição da “Conferência Internacional
sobre o Futuro da Língua Portuguesa no Sistema Mundial”.
Ainda nesse contexto, gostaria de reiterar a importância atribuída
pelo Brasil ao Acordo Ortográfico de 1990. O país tem feito marcado esforço
para a efetiva implementação desse Acordo, tornando-o de uso obrigatório, em
território nacional, a partir de 2013.
Entendemos que alguns Estados-membros que ainda não ratificaram
este importante ato unificador poderão apresentar novos questionamentos quanto
à própria evolução natural do instrumento. A reabertura do Acordo nos deixaria,
contudo, sem qualquer marco legal para a gestão do idioma português. Por isso
defendemos, uma vez mais, a tese de que se faz necessária a ratificação do
Acordo Ortográfico por todos os membros da CPLP, para depois cuidarmos da sua
eventual retificação.
A lusofonia pauta a relação do Brasil com cada um dos demais
integrantes desta Organização. O idioma comum nos dá força para atuarmos diante
de diferentes situações que se apresentem a nós, seja no endosso a posições
internacionais conjuntas por parte da CPLP; seja no tratamento de desafios
internos de nossos países, sempre respeitando a soberania e os princípios
históricos da autodeterminação e da não ingerência.
O governo do PRESIDENTE JAIR BOLSONARO encontra-se empenhado
em conferir novo
impulso à CPLP, que, posso assegurar, terá prioridade na agenda
diplomática do Brasil. Ele será um foro de tamanha importância dentro dos eixos
da nossa política externa, tanto da abertura econômica quanto da promoção da
democracia e dos nossos valores. Queremos trabalhar em todos os espaços e em
todas as geometrias pelo crescimento com liberdade e identidade. Não queremos
dissociar da dimensão econômica a dimensão dos valores e das tradições. E a
CPLP é um foro marcadamente construído em torno dessa coesão entre agendas
práticas e agendas, digamos, de identidade e de valores. No Brasil estamos
profundamente empenhados em rever e aprofundar a atuação nos foros de direitos
humanos e meio ambiente. No caso de direitos humanos, por exemplo, acabamos de
apresentar a plataforma para a eleição do Brasil a um lugar no Conselho de
Direitos Humanos das Nações Unidas, onde nos propomos a promover, entre muitos
outros temas, a igualdade entre homens e mulheres, o combate ao racismo, a
liberdade de expressão, a liberdade religiosa e a defesa dos direitos da
família. No tema do meio ambiente, estamos inteiramente comprometidos em manter
e implementar nossos compromissos já assumidos, sempre com enfoque de soberania
e responsabilidade compartilhada. De um modo geral, no sistema das Nações
Unidas, que é tão importante para todos nós, nós temos a clara noção de que ali
estamos num ambiente de “nações unidas”, portanto onde as nações, os estados
membros, devem ter protagonismo. No caso da CPLP, eu queria destacar que a
perfeita coordenação e a extremamente produtiva coordenação que existe entre os
Estados membros e o Secretariado (nisso parabenizo a exposição do Secretário
Geral) é um modelo para outros organismos onde muitas vezes essa coordenação
faz falta.
Além disso, como tive a oportunidade de expressar na celebração do
Dia da África em Brasília, recentemente, no Palácio Itamaraty, a CPLP, em
função da presença africana, apresenta igualmente oportunidades de cooperação
com mecanismos regionais importantes, como a Comunidade Econômica dos Estados
da África Ocidental (CEDEAO), a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral
(SADC), lembrando, ainda, que nosso português é, com grande honra, língua de
trabalho da União Africana.
Finalmente, parabenizo o governo de Cabo Verde pelas iniciativas
que vêm sendo promovidas sob a égide de sua presidência de turno da CPLP.
O tema “As pessoas, a cultura, os oceanos”, ademais da beleza de sua
composição, tem trazido à discussão de nossos governos temas de alta relevância
para nossas sociedades.
A questão da mobilidade deve ser, certamente, objeto de um esforço
cada vez mais amplo de aprofundamento da integração dos países que compartilham
o português como idioma. É necessário lembrar, também, que já existem 7 acordos
entre os países da CPLP na área da circulação de pessoas, cuja internalização
deve ser acompanhada de reflexões mais atuais sobre as normas que queremos, e
podemos, estabelecer em prol dos cidadãos e cidadãs da Comunidade. O Brasil se
orgulha de cumprir cada um dos acordos de circulação de pessoas assinados no
âmbito desta nossa Comunidade.
Como procurei frisar, a cultura constitui pilar fundamental para
darmos seguimento a iniciativas de promoção e divulgação da língua portuguesa
junto a outros parceiros internacionais, como é o caso dos Observadores
Associados à CPLP.
O Atlântico e, notadamente, o Golfo da Guiné, possuem papel
central para vários de nossos países. Para o Brasil, o Atlântico Sul é parte
fundamental de seu entorno estratégico. Nesse caso, procuramos cooperar, na
CPLP, em ampla gama de temas, que atravessam a seara ambiental, a da proteção e
aproveitamento dos recursos naturais e, ainda, os esforços comuns na área naval
e na área de defesa. Exemplo disso é o “Exercício Felino”, cuja próxima edição
será realizada em setembro, em Angola. É nesse sentido que me congratulo, uma
vez mais, com o governo de Cabo Verde pela inclusão de um tema tão
multifacetado quanto relevante na pauta de seu mandato à frente da CPLP.
Agradeço, finalmente, a acolhida dada pelas autoridades (isso é
muito luso-brasileiro, já falei “finalmente” duas vezes! Agora é finalmente
mesmo). Agradeço finalmente a acolhida das autoridades cabo-verdianas a todos
os participantes da 24ª Reunião do Conselho de Ministros da CPLP, bem como a
hospitalidade com que os anfitriões receberam seus irmãos de alma e fala.
Muito obrigado.
(Fonte: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/acontece-no-exterior/20658-ministro-ernesto-araujo-participa-da-24-reuniao-ordinaria-do-conselho-de-ministros-da-comunidade-dos-paises-de-lingua-portuguesa-cplp-mindelo-cabo-verde-19-de-julho-de-2019)
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